TCE-RS mira compra de telas interativas
Aquisições em ao menos sete municípios gaúchos estão em investigação
Sete municípios gaúchos estão sendo investigados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) pela compra de telas interativas com possíveis irregularidades, incluindo sobrepreço e direcionamento de compra. As cidades são:
- Porto Alegre
- São Leopoldo
- Cachoeirinha
- Capão da Canoa
- Gravataí
- Rolante
- Santa Cruz do Sul
A empresa fornecedora das lousas digitais em todos os processos é a Smart Tecnologia em Comunicações, com sede em Lajeado, e, à exceção de Gravataí e São Leopoldo, que realizaram certames próprios, as compras foram feitas por meio de adesão à ata de registro de preço. A modalidade é uma forma de “carona” em processos licitatórios já vigentes a fim de acelerar o processo de aquisição.
Segundo o levantamento da Corte, de 2019 a novembro de 2022, o total gasto na compra de telas interativas, em especial com a empresa Smart, foi de R$ 152 milhões em 51 municípios diferentes. A empresa comercializa as telas por R$ 32 mil cada, enquanto o preço de custo dos equipamentos levantado pela auditoria é de R$ 10 mil. Nas estimativas mais “conservadoras” – aquelas em que os valores orçados são os mais altos entre os possíveis – de equipamentos semelhantes, o preço comercializado não passa de R$ 25 mil cada.
Telas interativas são uma espécie de lousa digital que substitui as tradicionais, e a conexão com a internet permite o melhor aproveitamento do dispositivo. Entretanto, em uma das inspeções realizadas in loco pelo Tribunal em uma das cidades, em nenhuma das escolas visitadas, a rede de internet estava em perfeito funcionamento. Também foi constatado que, em um dos colégios visitados, os dois únicos banheiros da quadra de esportes estavam interditados.
Chamou a atenção da Corte que em muitos municípios, após as prefeituras lançarem editais próprios, os mesmos foram revogados e, posteriormente, a prefeitura aderiu alguma ata em que as empresas citadas possuem preços registrados. Procurada pela reportagem, por email, a Smart não respondeu
Em dezembro de 2024, a PF deflagrou a Operação Rêmora em São Leopoldo com o objetivo de apurar possíveis crimes licitatórios e de desvios de recursos públicos durante a aquisição de 424 lousas interativas realizada pelo município. A auditoria do TCE foi um dos pontos de partida da investigação. Apesar disso, dentro da Corte, o processo ainda não foi finalizado – tampouco o dos outros seis municípios. Outros municípios estão na mira da PF e da Polícia Civil.
Equipamento destoa de situação das escolas
Durante os três anos em que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) vem investigando a compra de telas interativas por municípios gaúchos, as apurações in loco do tribunal evidenciaram situações peculiares. É o caso das visitas em escolas da Região Metropolitana de Porto Alegre, em que foram constatadas algumas precariedades ao ponto de o relatório da auditoria afirmar que “o atendimento de necessidades básicas pelos alunos da rede municipal ainda carece de atenção, cuidado e investimento pelo poder publico”.
Em outra ocasião foi constatado que os professores e diretores aprenderam, sozinhos, a manipular os equipamentos, baixando aplicativos e afins. O problema, entretanto, é que está incluso na descrição dos serviços a serem prestados pela empresa o treinamento para a utilização dos mesmos.
As visitas também revelaram que algumas das exigências cobradas nos certames – que vêm a induzir a escolha da empresa – são subutilizados. “Evidenciando que as necessidades do município poderiam ser atendidas por equipamento mais simples e de menor custo”, conclui um dos documentos.
Também ocorreu de as lousas digitais serem instaladas nas salas de aula, para utilização de alunos e professores, mais de um ano depois da sua compra. O motivo apresentado pela prefeitura em questão foi a realização de obras nas escolas em questão – o que, de acordo com relatório, só evidenciou a falta de planejamento do município.
Entenda cada caso
A seguir, detalhes de cada um dos processos assim como parte das respostas de cada uma das prefeituras. As cidades de Capão de Canoa e Rolante não responderam aos contatos da reportagem.
- Em Cachoeirinha, foram 321 telas adquiridas em 2022 por pouco mais de R$ 10 milhões. À época, a superintendência da prefeitura chegou a alertar o prefeito, Cristian Wasem (MDB), não recomendando a compra e indicando pregão mais vantajoso. A falta desse parecer favorável é apontado como uma das irregularidades pelo TCE, bem como a ausência de vantagem na adesão à ata e sobrepreço. Em março de 2024, a PF cumpriu nove mandados de busca e apreensão na sede da prefeitura.
O que diz a prefeitura:
As telas interativas, adquiridas em 2022, foram objeto de pedidos de esclarecimento pelo TCE no mesmo ano, referentes à legalidade e aos procedimentos de compra, que foram realizados por meio de adesão a uma ata de registro de preços. Em resposta ao pedido de informações do TCE, a prefeitura de Cachoeirinha apresentou toda a documentação necessária, que foi analisada e resultou na liberação da compra e do pagamento em 2023. A aquisição seguiu a adesão a uma ata de registro de preços organizada por um consórcio de municípios do Vale do Taquari, um procedimento previsto na Lei de Licitações.
- Em Capão da Canoa, a prefeitura fez duas aquisições de telas em dez meses. Na primeira, foram 23, adquiridas por mais de R$ 730 mil. Uma nova compra, de 230 lousas, foi feita por R$ 7,3 milhões. Segundo o TCE, as compras apresentam possíveis irregularidades como aquisição de bem em desacordo com as necessidades do município e pagamento sem prestação do serviço. O tribunal aponta para um possível prejuízo de quase R$ 3 milhões. O relatório sugere a responsabilização de três agentes públicos, além da Smart.
O que diz a prefeitura:
Foi procurada e não retornou.
- A prefeitura de Gravataí fez duas compras de telas. A primeira, por meio de licitação própria, no final de 2019. A ata previa a compra de cem equipamentos, no valor de R$ 3 milhões. A disputa teve a participação de duas empresas. A Smart Tecnologia em Comunicações venceu. O certame, segundo o TCE, apresenta indícios de simulação de mercado. Ao menos dez cidades “pegaram carona” na ata de Gravataí. Em 2021, o município fez nova compra, dessa vez, por meio de adesão a ata de registro, adquirindo 582 lousas digitais por R$ 18 milhões. Tanto em 2019 quanto em 2021, os possíveis desvios incluíram direcionamento da contratação e sobrepreço, resultando em um suposto prejuízo de mais de R$ 7 milhões.
O que diz a prefeitura:
A prefeitura de Gravataí apresentou defesa e esclarecimentos ao TCE. No documento, refutou as alegações, justificando os valores praticados com base em pesquisas de mercado e especificações técnicas exigidas para os equipamentos.
- A prefeitura de Porto Alegre adquiriu, no final de dezembro de 2022, 188 telas interativas, ao custo de R$ 6 milhões. Os auditores encontraram irregularidades na compra, como a ausência de estudo técnico prévio, limitação e fragilidade da pesquisa de preço e falha em demonstrar que a solução registrada era a mais vantajosa. Apesar de indicar possível sobrepreço na aquisição, o documento não citou valores até que o processo da prefeitura de São Leopoldo, autora da ata à qual a Smed aderiu, seja concluído. No entanto, sugeriu a responsabilização de duas ex-servidoras; da secretária de Educação e do prefeito, responsável pela delegação à Smed da adesão à ata de registros, apesar da “falta de capacidade técnica do órgão”.
O que diz a prefeitura:
A Secretaria Municipal de Educação afirma que não há qualquer irregularidade apontada por órgãos de controle a respeito deste tipo de aquisição no município.
- Em Rolante, a prefeitura comprou 27 telas, em 2021, por R$ 864 mil. Entre os desvios indicados pelo TCE, está ausência de planejamento e de pesquisa de mercado; subutilização dos recursos presentes nas telas; aquisição em desacordo com as necessidades do município e adesão em desacordo com as especificações da ata de registro de preços. O prejuízo estimado é de quase R$ 300 mil
O que diz a prefeitura:
Foi procurada e não retornou.
- De 2021 a 2022, a prefeitura de Santa Cruz do Sul adquiriu 185 lousas digitais por R$ 4,4 milhões, com um superfaturamento de, ao menos, R$ 2 milhões. Foram responsabilizados agentes públicos e a Smart.
O que diz a prefeitura:
Aguardamos os desdobramentos legais, ao passo que reiteramos o compromisso com a plena lisura na realização e condução de procedimentos licitatórios e na transparência da divulgação dos atos públicos.
- O caso da prefeitura de São Leopoldo envolve a compra de 303 telas interativas em setembro de 2022. A prefeitura realizou ata própria, na qual Porto Alegre pegou “carona” via adesão. Os valores envolvidos nas transações realizadas entre São Leopoldo e a empresa Smart Tecnologia estão na casa dos R$ 11 milhões, mas a equipe de auditoria ainda calcula o prejuízo envolvendo um possível sobrepreço. O tribunal também aponta indícios de favorecimento à Smart e ilegalidade na liquidação de despesas e decorrentes desembolsos.
O que diz a prefeitura:
A Secretaria de Educação encaminhou um pedido à Procuradoria Geral do Município e para o gabinete do Prefeito para abrir uma sindicância interna investigativa para apurar os fatos.
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