Rio Grande Do Sul, perde o músico Luiz Carlos Borges aos 70 anos


Cantor nativista tem quase 60 anos dedicados à música e 35 discos lançados

Morreu em Porto Alegre, aos 70 anos, nesta quinta-feira, o músico instrumentista, compositor e intérprete Luiz Carlos Borges, um dos nomes mais conhecidos e respeitados do tradicionalismo gaúcho. Internado no Complexo da Santa Casa desde o fim de março, ele não resistiu a uma cirurgia para conter um aneurisma de aorta. Ainda não há informações sobre velório e sepultamento.

Natural de Santo Ângelo, Borges participou e venceu festivais de música regional, como o Musicanto Sul-Americano, onde também atuou como jurado, idealizador e organizador, em Santa Rosa. Atualmente Borges era presidente de honta do Musicanto ( prefeito Anderson Mantei de Santa Rosa irá decretar luto oficial amanhã 11/05).

Com quase 60 anos dedicados à música e 35 discos lançados, animou bailes, durante duas décadas, ao lado do grupo familiar “Irmãos Borges”, e estreou carreira solo a partir da composição “Tropa de Osso”, premiada na 9º edição da Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, em 1979.

A partir daí, começou a tocar por diversas regiões brasileiras e países da América do Sul, Europa, Ásia e América do Norte, levando na bagagem mais de uma centena de prêmios conquistados em festivais como compositor, intérprete, instrumentista e arranjador.

No dia em que chegou ao último aniversário, em 25 de março, Borges postou em redes sociais: “Alegria! 70 anos de vida, 60 anos deles grudados na cordeona. A festa começou ontem e segue hoje (por aqui estou) no Rancho Tabacaray com El Topador esperando os amigos! Gracias Los Corrales pela parceria na pilcha!”.

Legado no tradicionalismo

A marca de Luiz Carlos Borges para a cultura gaúcha é incontestável. O artista natural de Santo Ângelo subiu ao palco pela primeira vez aos nove anos de idade, em 10 de outubro de 1962, e nunca mais saiu. De seus 70 anos, 60 foram em cima do palco, onde o músico esteve sempre acompanhado da sua fiel escudeira, a gaita. 

Borges foi um dos nomes com mais tempo de carreira na música regionalista, com 35 álbuns, 269 composições e 720 gravações registradas no Ecad, o órgão responsável pela arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil. 

No seu repertório, estarão eternizadas as canções Baile da FronteiraTropa de OssoFlorêncio Guerra Romance na Tafona.

O músico também deixa sua marca na forma de tocar gaita. Tinha um estilo próprio de conduzir e compor com o instrumento, misturando referências das músicas de baile, das canções homéricas dos festivais e de ritmos como o jazz e o blues. Também foi amante inseparável da improvisação, mas sua característica mais marcante como instrumentista foi a intensidade. 

Problemas de saúde

O músico enfrentava problemas de saúde por conta de aneurismas de aorta. Em 2019, sofreu o segundo — o primeiro foi em 2003 — e ficou 85 dias internado no hospital, sendo 70 na UTI. 

Dessa vez, foi necessário reaprender a andar, a falar e a viver com autonomia. Diante das limitações físicas, Borges afirmou que sua menor preocupação era a gaita, mas confessou que rezava para que, se um dia pudesse voltar a tocar o instrumento, que fosse para voltar fazendo bonito. 

A prece foi atendida. Depois de um período de readaptações, Luiz Carlos Borges voltou aos palcos em julho do ano passado, abraçado na cordeona. Precisou mudar um pouco a forma de tocar, pois ficou com limitação de movimento na mão esquerda, mas seguiu colocando em prática as características que o alçaram ao hall de grandes gaiteiros do país. 

Neste período, ele decidiu revisitar o chamado “lado B” de sua obra, revendo canções que há tempos não encontravam a boca e o acordeom do intérprete. Com esta viagem musical ao passado, o artista começou a preparar o show que marcaria a sua volta. O repertório de O Que o Coração me Exige contou com canções intimistas, muitas delas vencedoras de festivais nativistas e que possuem um significado especial em sua trajetória musical. 

Borges estava no palco acompanhado pelos amigos e músicos Jonatan Dalmonte (bandoneón e acordeom), Leandro Rodrigues (violão de cordas de aço e acordeom), Neuro Júnior (violão 7 cordas) e Yuri Menezes (violão 6 cordas). 

Estava empolgado como um guri, como falou com a reportagem à época:

— Fui aos poucos me adaptando, até adquirir total confiança. Pensei: esta é a hora, beirando os 70 anos, de me reinventar. Não preciso mais desse impressionismo. Posso tocar notas curtas, notas longas, notas que comuniquem melhor. Harmonia mais dedicada, um pouco, para poder substituir coisas na canção sem perder a condição que a canção te exige — pontuou.

Comemoração dos 70 anos

No dia 25 de março deste ano, Luiz Carlos Borges promoveu uma festança para receber os fãs em um dia inteiro de atividades dedicadas a celebrar os seus 70 anos de vida e 60 de carreira. 

O evento, batizado de Chama-me Borges: O que Tem que Ser Dito, contou com 12 horas de programação, das 10h às 22h, com bate-papos sobre música, roda de chimarrão e shows no estilo canja, com nomes como Renato Borghetti, João de Almeida Neto, Daniel Torres, Shana Müller, Joca Martins, Érlon Péricles e Os Fagundes.

De sua trajetória, o músico se orgulhava dos laços criados com colegas da música nativista, alguns deles quase familiares, e do trânsito fácil que tinha com representantes de outros estilos musicais.

— Eu posso tocar com um “índio véio” do rincão a vaneira mais xucra possível e, saindo dali, tocar com Humberto Gessinger, com o Nenhum de Nós ou com uma escola de samba, como já toquei — orgulhou-se, na entrevista de março deste ano. 

— A gente pode voar para onde quiser com a arte, desde que tenha um chão para pisar. Eu busco sempre manter um pé na raiz regional. O outro pé pode ir para onde quiser, mas um sempre estará ali. Esse é o cuidado que o Borges com 60 anos de música tem: manter o pé no chão e sempre deixar a sua marca aonde for — refletiu.

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