Nativoos Rural – Lições do clima do Rio Grande do Sul orientam propostas na COP30

Dificuldades e respostas do Rio Grande do Sul às adversidades climáticas são valorizadas na análise de propostas que serão apresentadas em novembro na Conferência da Organização das Nações Unidas
A enchente que devastou o Rio Grande do Sul em 2024 e os três anos consecutivos de estiagem, desde 2023, oferecem uma lição ao Rio Grande do Sul. A região é hoje, no Brasil, a mais afetada e mais propensa a ser atingida por eventos climáticos extremos. Muito além de uma percepção comum, trata-se de uma certeza científica internacional, afirma Thelma Krug, coordenadora do Conselho Científico sobre o Clima, grupo técnico de assessoria da presidência da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30).
Em evento promovido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Porto Alegre, na primeira semana de agosto, Thelma reforçou o alerta e os ensinamentos decorrentes dos episódios climáticos mais recentes no Estado. O objetivo do encontro era justamente promover o debate sobre os desafios ambientais dos biomas Pampa e Mata Atlântica. Foi a quinta agenda do ciclo Diálogos pelo Clima, organizado pela estatal para recolher contribuições de todas as regiões do país à conferência mundial.
De acordo com Thelma, os principais efeitos das mudanças climáticas no Rio Grande do Sul se referem, principalmente, à intensidade e frequência das precipitações pluviométricas e ao aumento da temperatura em extremos de calor. Mesmo que essas alterações possam ter, em parte, origem natural, é inegável que a ação humana tem potencializado e acelerado o processo em níveis que assustam a comunidade científica.
“Em quase todas as áreas do planeta há aumento de extremos de calor, e isso tem uma digital humana muito clara”, afirma a pesquisadora. Uma das projeções indica que, dentro de um prazo de até 75 anos – até 2100, portanto –, a média de precipitações nas regiões Sul e Sudeste do Brasil aumentará 25%. No Nordeste brasileiro, ao contrário, a seca e a aridez tendem a se tornar ainda piores, com redução de 22% na média de chuvas. As consequências são sentidas desde já e se tornarão gradativamente mais notáveis ao longo deste período, afetando o suprimento de água e energia, os transportes, as telecomunicações e os serviços de saúde, por exemplo.
Presente ao encontro da Embrapa em Porto Alegre, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, deputado Pepe Vargas (PT), associa, por exemplo, o avanço dos casos de dengue no Estado às intempéries pelas quais passou o território gaúcho. Conforme o painel da patologia disponibilizado pela Secretaria de Saúde, os casos confirmados da doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti saltaram de 34,8 mil, em 2023, para 173,5 mil em 2024, uma elevação de 502,8%.
A oferta de água, de acordo com Thelma, é alvo de apreensão não apenas em relação à quantidade, mas também pela qualidade. Presidente do Comitê Diretor do Sistema de Observação Global do Clima, ela considera que a realização da COP30 em Belém do Pará poderá evidenciar também impactos da mudança climática sobre os serviços de saneamento e drenagem. “Me preocupo muito com a questão de saneamento. Não sei o quanto afeta aqui (Porto Alegre), acredito que não seja tanto quanto a gente pode ter, por exemplo, em Belém, que vai hospedar a COP30 e que vai expor uma situação de vulnerabilidade muito grande”, disse.
E, claro, há o comprometimento da atividade primária, ilustrado por Thelma com um aspecto básico da pecuária.
“Nosso gado não é confinado. Ele morre de calor. A carne não será boa. O leite também não. Comecem a plantar umas arvorezinhas”, recomendou ela diante de uma plateia que reunia, além de técnicos da Embrapa, dirigentes de entidades de representação do agro gaúcho.
Telma salientou a importância de repensar o desenvolvimento da agricultura no Rio Grande do Sul. A pesquisadora exemplificou lembrando o debate em torno da capacidade do Estado de assegurar o abastecimento do grão ao país por ocasião da enchente de 2024, em razão de dificuldades logísticas. “Vocês devem se lembrar que houve inicialmente uma preocupação muito grande. Poderia ter havido um colapso total na distribuição, por conta da concentração da produção”, afirmou.
De acordo com Telma Krug, é preciso diversificar a agricultura e também contemplar a escolha por espécies vegetais mais resilientes a extremos de calor, aproveitando inclusive o material ofertado pela Embrapa. Relembrando as cenas do resgate do cavalo Caramelo, a paulista disse levar da passagem pelo Rio Grande do Sul “um aprendizado muito grande por ver que o Estado tem aproveitado o que aconteceu” para desenvolver ações que, eventualmente, possam evitar a repetição das imagens. Caramelo ficou ilhado por pelo menos quatro dias no telhado de um galpão, no bairro Mathias Velho, em Canoas, durante as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Resgatado, tornou-se símbolo da resiliência regional diante da devastação provocada pelas águas.
“Chorei muito ao ver a resiliência do cavalinho Caramelo. Foi uma imagem muito forte, que esperamos não ter que ver novamente. Acho que uma série de ações que estão sendo implementadas pelo Estado devem contribuir para que não ocorram outra vez”, afirmou, salientando que a responsabilidade também é dos municípios.
Manejo do solo é ação fundamental
Adoção de práticas conservacionistas são importantes tanto para adequação das práticas agrícolas às mudanças climáticas quanto para garantir maior produção de alimentos em períodos de escassez hídrica

Pampa | Foto: Marcos Nagelstein / MTur / CP
Na avaliação do presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputado Pepe Vargas (PT), embora a irrigação seja um dos principais focos, no Estado, para o enfrentamento das mudanças climáticas, os investimentos deveriam ser destinados principalmente para projetos de conservação de solos.
“Temos uma situação de solos compactados, para a qual não adianta grandes investimentos em irrigação. Precisamos retomar velhas práticas de conservação de solo”, afirmou o parlamentar durante o evento Diálogos pelo Clima: Bioma Pampa e Mata Atlântica, promovido no início do mês pela Embrapa, em Porto Alegre.
A retomada das “velhas práticas” tem sido insistentemente manifestada por engenheiros agrônomos e outros especialistas que se debruçam sobre os problemas enfrentados pelo Estado desde as enchentes de abril e maio do ano passado. Há inclusive um movimento que reivindica a retomada da Política Estadual de Conservação de Solo e Água, implantada pelo Palácio Piratini em 2015. Paralisada desde 2019, essa política deverá ser alvo de um acordo, entre entidades e o poder público, que garanta seu ressurgimento.
Ao mesmo tempo, um dos mais destacados projetos da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) tem sido, justamente, o Programa de Irrigação. A ação prevê um apoio financeiro de 20% do valor do projeto a ser implantado, pagos direto ao produtor rural, limitado a R$ 100 mil por pessoa. Em quatro anos, espera-se aumentar a área irrigada em 100 mil hectares, um incremento de 33% das principais culturas de sequeiro, como milho e soja.
Vargas destaca que o Pampa é hoje, proporcionalmente, o bioma que sofre a maior devastação no país, “com 54% de sua extensão destruída”. “É uma preocupação muito grande. As pessoas se horrorizam de ver desmatamento na Amazônia, só que, proporcional à sua extensão, o Pampa é mais devastado”, disse. Para ele, é necessário assegurar a continuidade da produção agropecuária, mas com “o estabelecimento de práticas mais sustentáveis”.
Entre as boas práticas, o deputado citou o programa Terra Forte. Iniciativa incluída no Plano Rio Grande e coordenada pela Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), o programa tem o objetivo de promover a recuperação socioambiental e produtiva da agricultura familiar, com foco na recuperação do solo. “Acho que pode ajudar”, afirma. Vargas salienta ainda que a sustentabilidade foi o tema escolhido para 2025 pela Assembleia Legislativa, oferecendo atenção à transição ecológica, à sustentabilidade na indústria, comércio e serviços, à sustentabilidade na agricultura e pecuária e enfrentamento às desigualdades sociais e regionais.
Para a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, o desafio é transformar o Brasil em “uma potência agroambiental”.
“E a gente pode. A discussão não é apenas produzir alimentos. A agricultura é multifuncional. Podemos aumentar nossa produção e produtividade sem derrubar uma única árvore, apenas recuperando áreas degradadas”, garantiu Silvia.
A dirigente salientou a importância de políticas públicas como o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), que indica a cultura e o período mais adequado nas diferentes regiões do país.
Recentemente, a parceria entre a Embrapa e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) estabeleceu quatro níveis de manejo para o Zarc, vinculando a atividade a incentivos no Programa de Seguro Rural. O esforço, de acordo com Silvia, é encontrar maneiras de estimular o produtor que se encontra nos níveis mais básicos a passar para níveis mais altos de agricultura regenerativa.

| Foto: leandro maciel
De acordo com o pesquisador Eduardo Monteiro, da Rede Zarc Embrapa, o manejo aprimorado do solo proporciona benefícios como maior formação e estabilização de agregados, maior retenção de nutrientes, mais biomassa e maior atividade microbiana, aumento na taxa de infiltração de água no solo, redução da erosão, melhor redistribuição hidráulica e, finalmente, mas talvez o mais importante em tempos de incerteza hídrica, mais água disponível. A melhoria das características físicas, químicas e biológicas resultam tanto em preservação ambiental quanto em produtividade, como indicam estudos de produção de soja em tempos de seca com diferentes níveis de manejo.
16/08/2025 | 9:00Poti Silveira Campos com informações do Correio Povo
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