Saúde e Bem Estar – Vendido como opção ao cigarro, tabaco aquecido também tem substâncias tóxicas e cancerígenas


Especialistas afirmam que o produto apresenta compostos para os quais não há nível de exposição seguro, como o formaldeído

O tabaco aquecido, também chamado de produto “heat not burn” (calor que não queima, na tradução literal), é mais um item vendido como uma opção menos danosa ao cigarro tradicional, mas que na realidade não é.

A exemplo do cigarro eletrônico, o tabaco aquecido promete ser mais saudável por “impedir” a queima e apenas aquecer o fumo a uma temperatura de 350°C – padrão usado por umas das maiores produtoras de tabaco e seus derivados. Esse vapor reduziria o número de substâncias nocivas do produto. Porém, não é bem isso que ocorre.

“É uma mentira, porque pesquisadores foram procurar produtos de combustão no tabaco aquecido [e acharam]. Se eu encontro produtos de combustão, é porque houve a combustão. Só que essa combustão acontece a temperaturas mais baixas do que nos cigarros tradicionais”, alerta Paulo Corrêa, coordenador da comissão de tabagismo da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) e professor da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto).

A argumentação corrobora, por exemplo, com um estudo feito em 2018, na Grécia, que identificou carbonila nas emissões do produto. Essa composição funciona como intermediária durante a combustão de compostos orgânicos, o que implica que, de fato, a queima existe.

Além disso, a OMS (Organização Mundial da Saúde), por meio de um informativo, deixou claro que o tabaco aquecido produz aerossóis (nuvem com gases e partículas sólidas e líquidas) com “nicotina, produtos químicos tóxicos e carcinógenos que são também presentes na fumaça do cigarro.”

Alguns desses tóxicos são encontrados em maior concentração nesse produto do que no cigarro tradicional, e outros são exclusivos do tabaco aquecido. Dentre os compostos, listados pela OMS, estão: nicotina, monóxido de carbono, aldeídos, acetaldeído, formaldeído e acroleína.

“O acetaldeído é uma substância que reforça o poder de provocar dependência da nicotina. O formaldeído, que é o formol, é um cancerígeno grau 1 pela Iarc [Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer]. Então não adianta eles falaram que reduziu muito, que tem não sei quantas vezes menos formaldeído, mas se tem formaldeído, tem risco de câncer, porque um câncer no gênero grau 1 da Iarc não tem nível de exposição seguro”, explica Corrêa.

E acrescenta: “acroleína é uma substância [altamente reativa] que dá risco cardiovascular e é considerada um irritante dos brônquios. Então ela é muito associada ao DPOC, a doença pulmonar obstrutiva crônica”.

Os aldeídos, por sua vez, também contribuem com o vício e foram encontrados em concentrações mais altas nas emissões do tabaco aquecido. Vale ressaltar que o acetaldeído é classificado como possível carcinógeno humano pela Iarc.

“Nos cigarros convencionais, um produto bem problemático são os HPAs [hidrocarbonetos policíclicos aromáticos]. Esses hidrocarbonetos estão relacionados com câncer. [Pesquisadores] mostraram que esses cigarros heat not burn têm níveis similares de muitos componentes voláteis orgânicos. Mas eles têm níveis mais elevados de um HPA específico, que é o acenafteno – têm três vezes mais do que no cigarro comburente”, alega o especialista.

É importante frisar que a nicotina, substância que causa dependência química, presente no produto, por si só é prejudicial. De acordo com a AMB (Associação Médica Brasileira), ela também aumenta o risco de trombose, AVC, hipertensão e infarto do miocárdio.

“Nicotina é a substância que faz o paciente tabagista ficar viciado, que chega em poucos segundos no cérebro, liberando substâncias que dão prazer, saciedade e felicidade”, diz a médica Suzianne Lima, presidente da Associação de Pneumologia e Cirurgia de Tórax do Rio Grande do Norte, professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e membro da Comissão de Tabagismo da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia). Para a especialista, trocar o cigarro convencional pelo tabaco aquecido “é trocar seis por meia dúzia”.

Corrêa é da mesma opinião e complementa que ele apresenta “os mesmos riscos” que o produto tradicional.

Uma outra semelhança prejudicial que o tabaco aquecido tem com o cigarro tradicional e o eletrônico são as altas temperaturas. Segundo Suzianne, elas desencadeiam reações químicas e causam alterações celulares e moleculares que são tóxicas e potencialmente cancerígenas ao corpo. “Essa temperatura faz com que novas substâncias químicas sejam formadas, e aí mais estruturas tóxicas e cancerígenas são formadas”, relata a especialista.

A conclusão da OMS é que não há evidências suficientes para concluir que o tabaco aquecido é menos nocivo que o cigarro convencional. Na realidade, ele se tornou uma preocupação, já que aumenta a exposição a outras substâncias tóxicas.

Assunto pouco abordado

O tabaco aquecido surgiu pela primeira vez em 1988, no Rio de Janeiro, sendo comercializado pelo nome “Premier”. Posteriormente, em 1996, ele apareceu no mercado novamente como “Eclipse”. Porém, ele não se disseminou da forma esperada.

Mas agora, após ser aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) em 2019, está incluso na lista de preocupações dos órgãos de saúde, inclusive da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que mantém a comercialização, importação e propaganda desse dispositivo proibidas no Brasil (RDC nº46, de 28 de agosto de 2009). 

“O cigarro de tabaco aquecido, por causa dos fracassos anteriores, tem sido muito menos objeto de preocupação e de estudo, porque se acreditava que esses cigarros, mais uma vez, não fossem pegar”, defende Corrêa. 

No entanto, ele merece atenção pelos danos que pode causar e por manter o usuário em um estágio de pré-contemplação – quando não há intenção de parar de fumar. “É quando a pessoa, basicamente, está em negação que o cigarro faz mal”, complementa o especialista.

Apesar de ser necessário mais tempo e estudos para detalhar as alterações que o tabaco aquecido causa na saúde humana, Paulo Corrêa garante que “é um cigarro com problemas como o cigarro convencional, não é uma alternativa saudável”.

Fumo passivo

O fumo passivo, que acontece quando não fumantes ficam expostos aos componentes tóxicos e cancerígenos do cigarro, acontece no produto tradicional e, segundo evidências, também ocorre no tabaco aquecido. Isso se dá porque o aerossol do tabaco aquecido é uma espécie de névoa que se espalha pelo ar e pode ser inalada por pessoas que não fumam. 

De acordo com dados divulgados pela OMS, as chamadas emissões de segunda mão desse produto expõem as pessoas a níveis quantificáveis de partículas finas e ultrafinas de material particulado (considerado um poluente) e de substâncias tóxicas importantes.

O Inca (Instituto Nacional de Câncer) e o Ministério da Saúde reforçam que “há fortes evidências de que a exposição, baixa ou por períodos pequenos, às partículas finas e ultrafinas, tanto da corrente primária quanto da corrente secundária da fumaça e do vapor do tabaco, podem contribuir para processos inflamatórios pulmonares e sistêmicos e aumentar o risco de doença cardiovascular e respiratória, levando até mesmo à morte.”

O contato com a acroleína, por exemplo, segundo a OMS, pode irritar as vias respiratórias. Um estudo divulgado pela organização também mostrou que os fumantes passivos expostos ao tabaco aquecido tiveram sintomas de curto prazo, como dor de garganta, dor nos olhos e mal-estar.

Por essa razão, a organização, juntamente a “várias organizações de saúde pública, consideraram que nenhum nível de exposição à corrente lateral [do tabaco aquecido] é seguro ou aceitável.”

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Fonte: Jornal Correio do Povo