Santa Maria 27 de janeiro de 2013, uma data que nunca será esquecida
Ao nascer do sol, o Brasil e o mundo, recebia as primeiras imagens da tragédia da boate Kiss em Santa Maria.
As notícias iniciaram já com dezenas de mortos, que a cada minuto só aumentava, chegando ao final com 242 mortos e mais de 600 feridos.
Hoje o incêndio da boate Kiss completa 10 anos, são 10 anos de muita dor, muita luta por justiça, muito sofrimento.
Os pais na tentativa de superar as perdas e ao mesmo lutar por justiça encontraram na união o conforto para seguir em frente.
Os sobreviventes da tragédia da Boate Kiss, lutam todos os dias para buscar a recuperação física e psicológica.
Marilene dos Santos Soares é uma das mães de vítima da tragédia da boate Kiss que precisou de atendimento especializado, mas também contou com a amizade a apoio de outras mães que passam pelo mesmo drama. Ela e mais 20 mães começaram a se reunir para se apoiarem mutuamente. Elas têm um grupo no WhatsApp no qual costumam conversar. O grupo, de acordo com Marilene, que é vice-presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), serve para que elas conversem, contem piadas, relembrem os filhos e, quando alguma está muito triste, as outras se unem para confortá-la. O grupo, de acordo com Marilene, não teve inspiração no das Mães da Praça de Maio, de Buenos Aires, Argentina. Foi algo, salientou ela, que nasceu naturalmente da necessidade de umas ampararem as outras.
Em um primeiro momento, elas se encontravam na tenda onde está o mural com as fotos das vítimas da tragédia, na praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria. “Ficávamos lá. Não era marcada nenhuma reunião, as mães iam chegando, assim como outras iam saindo por terem algum compromisso”, recorda. “Quando veio a pandemia, paramos de nos encontrar presencialmente, mas continuamos nos falando pelo whats”, disse. Atualmente, elas voltaram a ter reuniões na tenda, na praça, sempre uma apoiando a outra. Na semana que vem, está prevista a vinda da mãe de uma vítima do incêndio na boate Republica Cromañón de Buenos Aires. A tragédia, ocorrida em 30 de dezembro de 2004 causou a morte de 194 pessoas. “Nós fomos à Argentina há dois anos, para participarmos de atividades com as mães de lá”, afirma. “Quando estivemos na capital argentina, as autoridades locais tinham isolado a discoteca, não retiraram nada de dentro. Estava como que congelada no tempo”.
Marilene conta que precisou de muito força para continuar vivendo. Além do apoio das amigas, ela tem acompanhamento médico e psicológico para seguir em frente. Ela perdeu a filha mais nova, Nathiele dos Santos Soares, à época com 21 anos. Ela e mais três amigos morreram no incêndio. Marilene recorda que sempre falava por telefone com a filha, que morava em um apartamento na área mais central de Santa Maria, pois ela e o marido residem afastado do centro da cidade. Inclusive, recorda que Nathiele não gostava que ela usasse sapatos de salto alto, tendo, inclusive, lhe apelidado de Vera Verão. Outro hábito que a filha dizia não gostar na mãe era que Marilene sempre estava com as unhas pintadas. “E os saltos dos meus sapatos são muito altos. Mas, continuo usando-os”, pondera, com um ar resignado. “Penso na minha filha com carinho e quero justiça para o caso”, afirma, ressaltando que mais pessoas deveriam estar no banco dos réus. “Enquanto eu tiver força vou lutar por justiça, pois tenho certeza que minha filha faria isto por mim”, afirma a vice-presidente da AVTSM.
A morte da filha fez com que Marilene tivesse que ter acompanhamento psicológico, sendo prescritos vários remédios para manter o equilíbrio emocional. A vice-presidente tem uma cestinha e um saco plástico onde guarda os remédios que toma diariamente. “Sem eles eu não sei se teria conseguido aguentar”, afirma.
“Nathiele falou com o meu marido pouco depois da meia-noite de 27 de janeiro, dizendo que estava saindo”, recorda Marilene, contando que o irmão do marido da filha mais velha, que saiu minutos antes de a boate pegar fogo, foi quem procurou por Nathiele, pois sabia que ela estava na casa noturna. Como não a encontrou nem os seus amigos, ele começou a procurar. Até descobrir que ela e os amigos não tinham saído da boate. “O irmão do marido da Kellen, nossa filha mais velha, procurou o irmão e deu a notícia da morte de Nathiele e das outras pessoas que estavam com ela”, disse Marilene. “A Kellen avisou a família sobre o que tinha ocorrido, ainda na madrugada”.
Marilene também se diz agredida com certos comentários que circulam nas redes sociais ou feitos pessoalmente em relação as atividades que a AVTSM faz para conseguir justiça. Segundo ela, é um pequeno grupo que faz comentários maldosos sobre o caso. Alguns afirmam que os familiares deveriam “deixar os mortos em paz, não evocar mais os seus nomes para que eles possam descansar”. “Eles não levam em consideração que estamos lutando por nossos filhos, por justiça”, afirma. “Essas pessoas escrevem coisa nas redes sociais que não vale a pena responder. Elas consideram que estamos fazendo isso por dinheiro, para conseguir alguma indenização”, relata.
O presidente da AVTSM, o psicólogo Gabriel Barros, disse esperar que seja revertida a decisão que anulou o julgamento dos quatro réus da Kiss. Ele, que também é um dos sobreviventes da tragédia, igualmente considera os comentários maldosos, ‘uma aberração’. “São poucos que fazem isso, mas incomodam”, reconhece. “O Rio Grande do Sul tem que voltar os seus olhos para o que aconteceu aqui, em Santa Maria”, comenta Gabriel. “Essas pessoas não entendem que estamos fazendo isso pelos filhos delas também que hoje são crianças, mas um dia vão crescer e não queremos que eles passem pelo que passamos.”
Além dos comentários maldosos, outras pessoas querem que seja retirado o mural com as fotos das vítimas da praça. “Fazemos questão que esse espaço seja permanente”, afirma, relembrando que a tenda foi mantida no local onde está na “base da ocupação, pois tentaram de várias formas, com muita pressão, retirá-la da praça. Atualmente, salienta Gabriel, está sendo feita uma vigília todos os dias 27 de cada mês, pois durante a pandemia não era permitido manter o contato presencial.
Fonte> Jornal Correio do Povo
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