Justiça Federal nega liminar para suspensão da licença ambiental da estação de tratamento de esgoto com lançamento de efluentes no Rio Tramandaí


A juíza federal da 9ª Vara Federal de Porto Alegre Maria Izabel Pezzi Klein indeferiu nesta quinta-feira, 6 de janeiro, o pedido de tutela de urgência(liminar)que solicitava a nulidade ou suspensão da Licença Prévia e de Instalação para Alteração – LPIA n°408/2023, pela qual a FEPAM autorizou a CORSAN a instalar Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), com lançamento de efluentes previsto no “Ponto 3” do Rio Tramandaí. 

A Ação Cível Pública foi movida pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual, motivada pelo Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte, contra a Corsan, Fepam e Agência Nacional das Águas e Saneamento.

Em sua decisão, a juíza ainda designou uma audiência de possível conciliação para o dia 15 de abril de 2025 às 14 horas.  

A Ação Cível Pública ainda pedia, além da anulação da Licença Prévia e de Instalação para Alteração, que fosse elaborado o Estudo de Impacto Ambiental/EIA/RIMA, realizada(s) audiência(s) pública(s), julgamento em conjunto de ações que tramitam na Justiça Estadual, que a Funai fosse polo ativo e também um pedido para que o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí figurasse na ação como amicus curiae.

A juíza entendeu que estes pedidos não tiveram embasamentos suficientes para a concessão de uma liminar, uma vez que a Corsan e Fepam apresentaram documentos e embasamentos legais justificando não haver necessidade de EIA/RIMA, por se tratar de um licenciamento considerado simplificado pela legislação e que foram realizados estudos através de empresa especializada.

Quanto a falta de consulta prévia às população tradicionais e à sociedade, a inicial menciona que não há um instrumento normativo que regulamente, de forma pormenorizada, o processo de consulta às comunidades tradicionais no Estado brasileiro e a juíza diz que ao longo de mais de 15 anos (em relação ao Município de Xangri-Lá) em que o Ministério Público Federal atua aguerridamente e com inquestionável conhecimento técnico para obrigar os municípios do Litoral Norte a resolverem os graves problemas decorrentes da insuficiência do sistema de esgoto sanitário, em defesa da saúde pública e do próprio meio ambiente, não há notícia de que tenha promovido encontros específicos para esclarecimento das populações tradicionais. 

Em relação ao pedido de julgamento em conjunto com justiça estadual, uma vez que existem 3 ações nesta esfera, a juíza mostrou a competência da Justiça Federal e da 9ª Vara Federal para o processamento da ação. 

A juíza também indeferiu o pedido para que o Comitê da Bacia do Rio Tramandaí fizesse parte do processo e deferiu a possibilidade da participação da Funai e União.

A obra do emissário que despejará efluentes da estação de tratamento de esgoto de Xangri-Lá teve início em março de 2024 e seu término deve acontecer ainda neste primeiro semestre de 2025, segundo a Corsan. A obra faz parte da ampliação do sistema de esgotamento sanitário do litoral Norte. Parte da população, principalmente de Tramandaí e Imbé é contrária ao despejo dos efluentes na Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí e busca a paralisação das obras.

Confira a decisão na íntegra

DESPACHO/DECISÃO

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual em face da COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN, FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUÍS ROESSLER – FEPAM e AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA), na qual postulam, em tutela de urgência:

b.1. à FEPAM:

b.1.1) A declaração de nulidade da LPIA n° 408/2023 ou, subsidiariamente, a sua suspensão, devendo ser realizada nova análise pelo órgão licenciador, considerando os dados de monitoramento reais, conforme disposto no item 2.6.1 da LPIA n° 408/2023, o que deverá se dar obrigatoriamente antes do início da fase de testes de lançamento e, conforme especificado na licença, mediante a comprovação da “viabilidade ambiental quanto ao aspecto da biota aquática”;

b.2. à FEPAM e à CORSAN

b.2.1) Que apresentem plano de consulta, construído em conjunto com a participação da sociedade, dos municípios afetados, das populações ribeirinhas que vivem da pesca artesanal e das comunidades indígenas, para concretização do direito de consulta da Convenção 169 da OIT, abrangendo minimamente as terras indígenas indicadas no Ofício nº 1660/2024/DPT-FUNAI e respeitando os protocolos de consulta já existentes, sob pena de multa diária;

b.3. À CORSAN

b.3.1) Que seja elaborado o Estudo de Impacto Ambiental/EIA/RIMA e realizada(s) audiência(s) pública(s), sob pena de multa diária em caso de descumprimento;

Em relação à Agência Nacional de Águas – ANA não há pedido de tutela, restringindo-se a pretensão à decisão de mérito:

 g.3.1) que, no seu exercício do poder de polícia, fiscalize as atividades em execução pela Corsan, adotando as necessárias medidas administrativas e legais, no bojo do processo administrativo n° 4572-05.67/22.1;

Postulam ainda:

c) a distribuição por dependência à 9ª Vara Federal de Porto Alegre em razão da conexão com a Ação Civil Pública n° 5081748-25.2021.4.04.7100 e 5076060- 87.2018.4.04.7100;

d) o julgamento em conjunto a este feito das ações nº 5015825- 72.2024.8.21.0073, nº 5043193-31.2024.4.04.7100 e nº 5043397-75.2024.4.04.7100, de modo a evitar decisões conflitantes;

e) a realização de audiência de conciliação, nos moldes do art. 334 do CPC, e a condução do processo nos moldes de um processo estrutural, buscando soluções dialogadas, estabelecimento de cronogramas pelas partes e mediação pelo Judiciário;

h) a intimação da FUNAI para, querendo, integrar o polo ativo da presente ação, conforme fundamentos delineados no item III.3.2; 

k) a intimação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí para, querendo, funcionar como amicus curiae no feito, consoante autoriza o art. 138, caput, do Código de Processo Civil; 

l) a intimação da União para que, querendo, ingresse no polo ativo desta ACP;

Foi determinada a intimação da FEPAM e da CORSAN para manifestação prévia sobre o pedido de tutela.

A FEPAM apresentou manifestação no ev. 8, qual alega que a presente ação é idêntica àquelas declinadas da competência para a Justiça Estadual; discorre sobre a origem das obras de ampliação do esgotamento sanitário no Litoral Norte e da melhoria das condições de saneamento; sobre os estudos realizados previamente à realização das obras de ampliação do esgotamento sanitário no Litoral Norte; disse que o processo de licenciamento n. 4572.0567/22-1 que originou a LPIA n. 0408/2023 foi submetido a mais criteriosa análise técnica e multidisciplinar para a emissão de pareceres técnicos fundamentados e devidamente motivados; o parecer PT 72/2023-DECONT estabeleceu o padrão de tratamento para emissão, bem como diversas condicionantes, com destaque para monitoramento do meio hídrico e da biota a fim de apurar e calibrar o modelo matemático com dados reais.

Quanto à necessidade de Estudo de Impacto ambiental para o licenciamento, sustenta que por se tratar de empreendimento existente, o licenciamento ambiental é conduzido como alteração deste, por processo unificado de Licença Prévia e Licença de Instalação. Todos os documentos e estudos componentes do processo administrativo 004572-05.67/22-1 estiveram (e assim seguem) disponíveis à sociedade por meio do Sistema Online de Licenciamento da FEPAM (SOL), de acesso amplo e irrestrito. As condicionantes da LPIA e análise técnica da FEPAM estão alinhadas com as conclusões e interpretações do MPF. Afirma que a LPIA 408/2024 é resultado de uma exaustiva análise técnica efetuada por equipe especializada.

Quanto à necessidade de consulta às comunidades tradicionais e seus órgãos intervenientes o procedimento padrão adotado para o licenciamento ambiental observa a Portaria Interministerial 60/2015 e Instrução Normativa FUNAI nº 02/2015 e a Instrução Normativa INCRA nº 111/202. De acordo com a tabela presente no Anexo I da Portaria Interministerial 60/2015, não há previsão de consulta aos órgãos intervenientes para empreendimentos de saneamento básico. Sustenta não ser cabível o deferimento da tutela de urgência postulada e requer a declaração de incompetência da Justiça Federal.

A CORSAN se manifestou no ev. 10 afirmando a gravidade da alta interferência que eventual medida liminar provocaria, pois uma vez declarada nula ou suspensa a LPIA nº 408/2023 em caráter provisório estaria impedida a CORSAN de prosseguir com as medidas constantes nessa licença que visam dar tratamento e destinação adequada aos efluentes gerados por Municípios do Litoral Norte. Discorre sobre o TAC firmado no processo n° 5081748-25.2021.4.04.7100, prevendo expressamente, a alternativa do lançamento de efluentes no Ponto 3 do Rio Tramandaí. O MPF realiza o acompanhamento dos acordos, tendo realizado mais de vinte encontros com a participação da FEPAM, a CORSAN, o MPRS e representantes das comunidades beneficiadas para tratar sobre o andamento do cumprimento do TAC, licenciamento e instalação da obra, muitos dos quais estão registrados no âmbito do Procedimento Administrativo nº 1.29.000.004246/2021-10 em trâmite no MPF e de acesso público. Alega ausência de probabilidade do direito, (a) por razões processuais, que demonstram que (i.) a matéria não é de competência deste Juízo Federal, conforme já decidido; (ii.) a ação civil pública deverá ser extinta sem julgamento de mérito, total ou parcialmente, diante da litispendência e repetição do mesmo fundamento jurídico em mais de uma ação. De outo lado, (b) por razões de direito material, que demonstram a higidez da LPIA nº 408/2023.

Afirma existirem cinco ações coletivas em tramitação buscado impugnar o procedimento de licenciamento que precedeu a emissão da LPIA nº 408/2023 tramitando na Justiça Comum, em tramitação conjunta, tendo sido designada audiência de conciliação para o dia 17/03//2025, as quais abarcam integralmente o objeto da presente ação, caracterizando litispendência. Menciona também a possibilidade da prática de atos concertados, mediante cooperação judicial, evitando decisões conflitantes com a Justiça Estadual. 

Discorre longamente sobre as questões materiais que levam à ausência de probabilidade do direito, afirmando haver diversas inconsistências no laudo que embasa o ajuizamento da ação. Diz estarem presentes os aspectos formais do ato administrativo da emissão da A LPIA Nº 408/2023 quanto à competência, finalidade, forma, motivo, motivação e objeto.

Sustenta a desnecessidade de EIA/RIMA, conforme o entendimento da FEPAM. Alega a ausência de hipótese normativa de oitiva prévia das comunidades indígenas. O empreendimento em questão não está situado em sobreposição a nenhuma terra indígena ou causa impacto em tais locais.

Os autos vieram conclusos para decisão.

Fundamentação.

– Substituição no período de 16/09/2024 a 16/09/2025 referente aos processos ambientais do Juízo Federal.

Esclareça-se que conforme consta na autuação o processo está distribuído para o órgão: Juízo Federal da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, titularizado pela Juíza Federal Dra. Maria Isabel Pezzi Klein, a qual está convocada pelo Ato nº 3398/2024 (7403379) para atuação junto ao e. TRF da 4ª Região, no período de 16/09/2024 a 16/09/2025, permanecendo com jurisdição apenas em relação aos processos vinculados à competência material JEF Cível da 9ª Vara Federal.

A responsabilidade jurisdicional sobre os demais processos vinculados ao Juízo Federal da 9ª Vara Federal de Porto Alegre/RS nesse período foi atribuída ao respectivo Juiz Federal Substituto, Bruno Brum Ribas.

– Competência territorial da 9ª Vara Federal de Porto Alegre e conexão com as ações anteriores: n° 5076060-87.2018.4.04.7100 e nº 5081748-25.2021.4.04.7100.

A presente ação foi distribuída perante esta 9ª Vara Federal de Porto Alegre, a qual detém competência territorial para o processamento das ações em matéria cível ambiental sobre os municípios que integram a Subseção Judiciária de Capão da Canoa, nos termos do art. 34, I, da RESOLUÇÃO Nº 450/2024, do TRF/4ª Região:

I – compete exclusivamente à 9ª Vara Federal de Porto Alegre, no âmbito territorial das Subseções Judiciárias de Porto Alegre, Canoas, Capão da Canoa, Caxias do Sul e Gravataí, o processamento e julgamento da matéria cível ambiental e agrária, do juízo comum e do juizado especial;

Assim, a competência desta 9ª Vara Federal para conhecer do pedido é originária e não por prevenção, pela extensão do dano ou por ser Capital do Estado, uma vez que as questões ambientais dos municípios do Litoral Norte são de competência territorial desta Vara.

A ação foi distribuída por dependência aos processos 5076060-87.2018.4.04.7100 e 5081748-25.2021.4.04.7100. O primeiro deles em realidade é a ação 2009.71.00.028342-0, ajuizada em 10/4/2009 pelo Ministério Público Federal contra o Município de Xangri-Lá, FEPAM e União, com o objetivo de compelir o ente municipal a adotar medidas destinadas à implementação de um sistema de tratamento de esgoto sanitário adequado em seu território, impondo à FEPAM a obrigação de não emitir licenças ambientais para empreendimentos no Município de Xangri-la sem que haja a comprovação de que os efluentes gerados serão devidamente tratados por Estação de Tratamento de Esgotos. Esse processo, apesar da longa tramitação, não possui sentença, sendo que, conforme relata o MPF na sua recente manifestação do ev. 470 – parte dos pedidos foram abordados no TAC, homologado nos autos da ACP nº 5081748-25.2021.4.04.7100, que está sendo acompanhado no procedimento administrativo nº 1.29.000.004246/2021-10. No entanto, antes de requerer eventual extinção do feito em razão do acordo celebrado pelas partes nos autos da ACP nº 5081748-25.2021.4.04.7100 (Evento 48), verifica-se pendente a necessidade de apresentação de cronograma e planejamento para o município de Xangri-Lá, contendo mapas de identificação dos projetos de construção da rede coletora.

Já o processo 5081748-25.2021.4.04.7100 foi distribuído em 19/11/2021, por dependência aquela ação, cujo objeto era o de:

i) fazer cessar o dano ambiental e à saúde pública decorrente do extravasamento da ETE II em Xangri-lá;

ii) solucionar o problema da saturação da ETE Figueirinha (ETE I) e da ETE II, com a consequente proteção das praias marítimas e do mar territorial nos limites do município de Xangri-lá, bens públicos da União de uso comum do povo;

iii) buscar a preservação do meio ambiente e da saúde da população – moradores e veranistas – do município em razão da insuficiência do sistema de esgotamento sanitário local em processar de forma adequada e eficiente o esgoto sanitário gerado no município;

iv) recuperar a área degradada; e

v) condenar os infratores a repararem os danos patrimoniais e extrapatrimoniais ocorridos ao meio ambiente.

Na inicial daquela ação o autor referiu que o Município carecia de adequada infraestrutura adequada de esgotamento sanitário, e que os Relatórios de Vistoria nº 27/2021 (ETE II) e nº 32/2021 (ETE I) da FEPAM demonstravam que a ETE II está operando acima do limite e que os extravasamentos são constantes: 

(…) Conforme reportado em Relatório de Atendimento de Emergência nº 33/2021, houve rompimento de talude das bacias de infiltração em 01/06/2021. Verificou-se em vistoria a presença de rompimento dos taludes internos (Figura 18 e Figura 19), bem como rompimento dos taludes da face externa tal qual relatado previamente (Figura 20 e Figura 21) com extravasamento desse efluente (Figura 22). O contato destacou a força com que o efluente extravasa, levando consigo o poço de monitoramento PZ4 (Figura 23). O contato também indicou que os rompimentos são frequentes, ocorrendo pelo menos uma vez ao mês. (…) (…) As evidências coletadas indicam que o empreendimento em tela está operando acima de sua capacidade, verificando-se também que as unidades de tratamento se encontram sem a devida manutenção

Nesse processo (5081748-25.2021.4.04.7100), no ev. 48 foi homologado o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC firmado em 17/12/2021 pelo Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Município de Xangri-lá, Companhia Riograndense de Saneamento, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler e grupo de empreendedores apresentado no ev. 46 (evento 46, ANEXO1). Nesse TAC constou na cláusula sétima – SOLUÇÃO FUTURA/DEFINITIVA – ETEs I e II:

7.1 – A CORSAN compromete-se a protocolar estudo na FEPAM, até 31/03/2022, por ela contratado, acerca da viabilidade ou não de lançamento de efluentes tratados no chamado “Ponto 3” do Rio Tramandaí.

7.2 – A FEPAM compromete-se a apresentar manifestação oficial sobre a viabilidade ou não para o lançamento do efluente tratado no “Ponto 3” do Rio Tramandaí, em até 30 (trinta) dias após o protocolo feito pela CORSAN.

7.3 – Após a manifestação oficial da FEPAM, em até (30 dias), a CORSAN compromete-se a adotar uma das seguintes soluções para o SES de Xangri-la, encaminhando documentação correspondente à FEPAM para licenciamento:

7.3.1 – OPÇÃO A – a CORSAN: I) instala ETE compacta para tratamento de 100l/s junto à ETE II e constrói emissário até o “Ponto3” do Rio Tramandaí, tudo com o devido licenciamento ambiental junto à FEPAM; e ii) paralelamente, efetua a desativação da ETE I, desviando o esgoto bruto, por bombeamento, para a ETE compacta, com o devido licenciamento ambiental junto à FEPAM; ou

7.3.2 – OPÇÃO B – a CORSAN: i) instala ETE compacta para tratamento de 10 l/s na área alternativa identificada na CLÁUSULA QUINTA, com disposição final o efluente tratado por meio de bacias de infiltração, em quantidade compatível com a ETE compacta de 100 l/s, tudo com o devido licenciamento ambiental junto à FEPAM; ii) paralelamente, efetua a desativação da ETE I, desviando o esgoto bruto, por bombeamento, para a ETE compacta, com o devido licenciamento ambiental junto à FEPAM;

Posteriormente, no ev. 164 foi homologado o Primeiro Aditamento do Termo de Ajustamento de Conduta apresentado pelo MPF no ev. 150.2, firmado em 19 de agosto de 2022. Em 06/02/2025, o MPF juntou o Segundo Aditamento ao Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta, requerendo a homologação judicial (processo 5081748-25.2021.4.04.7100/RS, evento 432, ANEXO2).

Conforme mencionam os autores, como todas as ações buscam a preservação do meio ambiente e da saúde da população – moradores e veranistas dos municípios – em razão da insuficiência do sistema de esgotamento sanitário local em processar de forma adequada e eficiente o esgoto sanitário gerado nos municípios, tratando-se, pois, de ações conexas, nos termos dos artigos 55, §3º e 58, caput, do CPC.

Assim, cabível a distribuição por dependência realizada, uma vez que eventual decisão concessiva da tutela neste processo irá interferir no cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta, bem como tem conexão com o objeto do processo 5076060-87.2018.4.04.7100.

– Processos em tramitação na Justiça Estadual. Competência.

No que se refere aos processos em tramitação na justiça estadual, redistribuídos à Justiça Federal com os nºs 5043193-31.2024.4.04.7100 – ACP ajuizada pelo Município de Imbé, e 5043397-75.2024.4.04.7100 – ACP ajuizada pelo Município de Tramandaí, assim como a ação popular nº 50158257220248210073 que trata do mesmo objeto, a petição inicial consigna:

O art. 337 §3º, do CPC, dispõe que ocorre a litispendência quando se reproduz ação idêntica à outra que já está em curso. Nos termos do ponto anterior, só haverá ação idêntica quando todos os elementos partes, pedido e causa de pedir da ação forem os mesmos.

A ação popular nº 50158257220248210073, bem como as ACPs nº 5043193 31.2024.4.04.7100 e nº 5043397-75.2024.4.04.7100, que tramitam na Justiça Estadual, objetivam suspender a realização das obras do emissário de lançamento do efluente tratado no rio Tramandaí, assim como a declaração de nulidade da Licença de Operação nº 0048/2023, em razão da ausência de elaboração de EIA/RIMA.

Ainda que se trate dos mesmos fatos, as partes, os pedidos e a causa de pedir são diversos. Nesta Ação Civil Pública, o objeto é mais abrangente, como se verá a seguir, a causa de pedir da nulidade da licença expedida pela FEPAM é a insuficiência (e ausência) de uma consulta livre, prévia, informada e digna das comunidades tradicionais indígenas, das populações ribeirinhas, da sociedade e dos municípios afetados, além da ausência de EIA/RIMA. Ainda que se trate dos mesmos fatos, as partes, os pedidos e a causa de pedir são diversos. Nesta Ação Civil Pública, o objeto é mais abrangente, como se verá a seguir, a causa de pedir da nulidade da licença expedida pela FEPAM é a insuficiência (e ausência) de uma consulta livre, prévia, informada e digna das comunidades tradicionais indígenas, das populações ribeirinhas, da sociedade e dos municípios afetados, além da ausência de EIA/RIMA.

Apesar de não haver litispendência entre as ações por possuírem pedido, causa de pedir e partes diversas, os pressupostos de fato e de direito das ações estão diretamente relacionados e devem ser julgadas em conjunto.

Não está configurada a litispendência e tampouco há que se falar em julgamento conjunto, ou deslocamento de competência daquelas ações para a Justiça Federal, tendo em vista o que já restou decidido naqueles autos relativamente à competência para o seu julgamento. Com efeito, proferi decisão nas ações civis públicas, já preclusa, no seguinte sentido (processo 5043193-31.2024.4.04.7100/RS, evento 27, DESPADEC1):

Esta Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Município de Imbé em face do Estado do Rio Grande do Sul, FEPAM e CORSAN na Comarca de Tramandaí, em data de 12 de setembro de 2024, e tem como objeto declarar nula a Licença Prévia e de Instalação para Alteração 0408/2023, expedida pela FEPAM, (processo 4572-05.67 / 22.1, evento 1, ANEXO17), cujo teor em síntese autoriza a CORSAN a ampliar a vazão de tratamento da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) II do Município de Xangri-lá, com lançamento previsto no Ponto de Lançamento PT3 (Rio Tramandaí)

A eminente Juíza de Direito, Dra. MILENE KOERIG GESSINGER, em 13/9/2024, proferiu decisão, cuja parte final transcrevo:

O que se observa, diante de todo o contexto acima colocado, é que as tutelas pretendidas pelo autor, tanto a provisória quanto a definitiva, são direcionadas a atos oriundos do cumprimento do TAC que, por sua vez, é vinculado a ação civil pública ainda em tramitação na Justiça Federal. Em última análise, o autor com a presente ação impugna o teor do aludido TAC.

Por essa razão, conhecer da presente matéria sem antes ocorrer o posicionamento do juízo federal a respeito da conexão entre os feitos e do interesse da União e mesmo do Ministério Público Federal, enquanto signatário do TAC, seria precipitado e temerário.

Dessa maneira, determino a remessa do presente feito à 9ª Vara Federal de Porto Alegre, para a verificação pelo juízo da ação civil pública nº 5081748- 25.2021.4.04.7100 de conexão, assim como de interesse dos entes federais acima mencionados, a fixar a sua competência.

Recebidos os autos na Justiça Federal foi proferido despacho determinando:

Diante deste quadro fático-jurídico, deverão ser intimados, com urgência, o Ministério Público Federal e a União Federal para, em 5 dias, dizer se possuem interesse em intervir nesta ação na condição de assistentes litisconsorciais do autor, devendo, em caso positivo, no mesmo prazo, manifestarem-se acerca do pedido de tutela urgência pleiteado, bem como sobre eventual manifestação na ação de n. 50158257220248210073, a fim de reivindicar a atração para julgamento conjunto com este feito, de modo a evitar decisões conflitantes.

A UNIÃO se manifestou no ev. 15, em 25/09/2024, afirmando que não foi possível obter subsídios perante os órgãos federais para verificar se a União tem ou não interesse em intervir na ação, requerendo prazo adicional de 10 dias. Entretanto, afirmou que entende que está caracterizada a competência da Justiça Federal em razão da relação existente entre a causa de pedir desta ação com a Ação Civil Pública nº 5081748-25.2021.4.04.7100, uma vez que nesta ação foi homologado (decisão evento 48) Termo de Ajustamento de Conduta (evento 46), e que também que há conexão com a ação civil pública 5076060-87.2018.404.7100 ajuizada pelo Ministério Público Federal, no ano de 2009, em face da União, do Município de Xangri-Lá e FEPAM. Disse ainda ser indispensável a intimação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, em face de suas atribuições, para manifestar eventual interesse na presente ação. 

O Ministério Público Federal se manifestou no ev. 17, alegado que a demanda possui relação direta com a ACP nº 5081748-25.2021.4.04.7100 e que se encontram outras 10 ações na Justiça Federal sobre saneamento do Litoral Norte, havendo unidade da matéria que trata da preservação do meio ambiente e da saúde da população. Afirma que se tratando, pois, de ações conexas, nos termos dos artigos 55, §3º e 58, caput, do CPC, a presente demanda deve tramitar na 9ª Vara Federal de Porto Alegre, juízo prevento da Justiça Federal. Quanto ao interesse de integrar a lide, requereu sua admissão na lide na qualidade de fiscal da lei, nos termos do art. 5º, § 1º, da lei da Ação Civil Pública – Lei nº 7.347/85. Na mesma oportunidade, se manifestou pelo indeferimento da tutela. Juntou documentos (ev. 19).

Passo a analisar a possibilidade ou não de deslocamento da competência para o processamento da ação para a Justiça Federal, diante das manifestações da União e do Ministério Público Federal. 

Quanto ao prazo adicional de adicional de 10 dias requerido pela União, indefiro-o, tendo em vista que desde a sua manifestação já decorreram mais de 10 dias úteis, de forma que caso tivesse obtido outros subsídios já poderia ter-se manifestado novamente no processo. Ademais, trata-se de análise jurídica que é de responsabilidade exclusiva da AGU, até mesmo porque o processo federal em discussão e o ato impugnado na presente demanda não têm a participação de quaisquer órgãos federais. Da mesma forma e pelas mesmas razões, indefiro a intimação da ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, uma vez que não é parte do processo e também não tem qualquer intervenção no procedimento da FEPAM no qual foi expedida a licença impugnada.

Veja-se que a remessa dos autos à Justiça Federal foi feita com vistas à intimação da União e MPF para que manifestassem a respeito de eventual interesse em integrar a lide, tendo sido realizada intimação para que manifestassem interesse em atuar na condição de assistente litisconsorcial da parte autora, de forma a viabilizar, em caso positivo, a tramitação do feito na Justiça Federal.

Deve-se ter presente que a competência da Justiça Federal tem assento constitucional, revestindo-se de caráter absoluto e estrito, não podendo ser ampliada fora das hipóteses legais, em menoscabo da competência da Justiça Estadual.

Não preenche os requisitos legais para deslocamento da competência a alegação de se tratar de ação que tenha mera relação com a causa de pedir de outras ações que tramitam na Justiça Federal. A proteção do meio ambiente e da saúde da população não é matéria exclusiva do Judiciário Federal, cuja competência se estabelece intuito personae (art. 109, I, da CF) ou com base em matérias expressas no texto constitucional.

Deve-se rememorar que A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção (art. 54 do CPC). Ou seja, mesmo nas hipóteses em que configurada conexão ou continência, tratando-se de competência absoluta não há reunião de processos, como ocorre no presente caso.

Da mesma forma, além do requisito de se tratar de hipótese de competência relativa, o Código de Processo Civil estabelece como pressuposto para a reunião das ações conexas que ambas não tenham sido sentenciadas (em primeiro grau, portanto): Art. 55. § 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

Não tendo havido manifestação expressa tanto da União quanto do Ministério Público Federal, com a devida fundamentação, do interesse em de integrar o polo ativo da demanda, objetivando a anulação do ato administrativo da FEPAM, objeto do processo, não há fundamento jurídico-constitucional para a tramitação da presente ação civil pública perante a Justiça Federal.

A intervenção do Ministério Público como fiscal da lei dá-se de acordo com a competência (federal e estadual) e não o contrário. 

Não obstante essas razões que impõem a devolução dos autos à e. Justiça Estadual, acrescento que o objeto da presente ação é a anulação da Licença Prévia e de Instalação para Alteração 0408/2023, expedida pela FEPAM, em favor da CORSAN.

Deve-se ter claro que essa Licença não foi concedida por força de decisão judicial (TAC homologado), de forma que a ação judicial proposta pelo Município e a decisão a ser tomada no presente feito não podem ser considerados como impugnação ao acordo homologado.

O que foi previsto no TAC é que a CORSAN se comprometeu a protocolar estudo na FEPAM, até 31/03/2022, acerca da viabilidade ou não de lançamento de efluentes tratados no chamado “Ponto 3” do Rio Tramandaí (cláusula 7.1) e a FEPAM compromete-se a apresentar manifestação oficial sobre a viabilidade ou não para o lançamento do efluente tratado no “Ponto 3” do Rio Tramandaí, em até 30 (trinta) dias após o protocolo feito pela CORSAN. (cláusula 7.2). 

Portanto, não há qualquer dúvida de que a concessão ou não da licença era prerrogativa exclusiva da FEPAM, dentro do exercício de suas atribuições legais, sem qualquer prévia determinação nesse sentido no TAC. A impugnação judicial por meio desta ação à Licença concedida pela FEPAM não significa qualquer intervenção, contrariedade e muito menos desconstituição no TAC e, por decorrência, da decisão homologatória. Esta não autorizou ou determinou a expedição da Licença, tampouco autorizou a realização da obra, situação em que sequer seria necessária a expedição da Licença, pois estaria autorizada por decisão judicial.

Ademais, caso se entendesse que a presente ação civil pública ataca o TAC ou a decisão homologatória do processo federal, a causa de pedir, pedido e réus (incluindo todas as partes que firmaram o TAC) deveriam ser devidamente adequados na ação, pela parte autora, sob pena de indeferimento da inicial.

Cabível registrar, por fim, que a Súmula 150/STJ estabelece que: “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”

Por todo o exposto, impõe-se a imediata devolução do processo à Justiça Estadual.

Considerando que se tratam de autos eletrônicos, verifique a Secretaria a melhor forma de comunicação com o Juízo Estadual de origem, de forma a possibilitar o prosseguimento do processo na Justiça Estadual independente do trânsito em julgado da presente decisão.

De igual maneira corrija-se a autuação do feito com a associação dos procuradores respectivos das partes, ainda não cadastrados para fins de intimação e eventual interposição de recursos.

Trasladem-se cópias das manifestações e documentos juntados pela União e Ministério Público Federal para processo 5043397-75.2024.4.04.7100/RS.

Tudo cumprido e preclusa esta decisão, dê-se baixa

Assim, não é cabível a reunião de processos para julgamento conjunto diante da inviabilidade do deslocamento da competência para o processamento daquelas ações para a Justiça Federal.

Todavia, igualmente não é de se acolher a alegação das rés quanto à incompetência da Justiça Federal, e a alegação da CORSAN no sentido de que haveria coisa julga quanto a essa matéria, pelas decisões proferidas nas ações civis públicas que foram devolvidas à Justiça estadual.

Com efeito, naqueles processos a conclusão pela incompetência da Justiça Federal foi adotada pelo fato de não haver qualquer ente federal no polo ativo ou no polo passivo das demandas, não justificando a competência federal pela mera intervenção do MPF na condição de custus legis.

Ao contrário, a presente ação foi proposta pelo Ministério Público Federal,) o qual detém legitimidade para promover ação civil pública em defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, da Constituição Federal, Lei Complementar 75/93, arts. 1º, I, e 5º, I, da Lei n.º 7.347/85 e art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), desde que presente interesse federal, o qual tem sido reconhecido como configurado nas diversas ações ajuizadas pelo MPF que tramitam na Justiça Federal relativas ao saneamento dos municípios do Litoral Norte, diante da possível repercussão sobre as praias, zona costeira e terrenos de marinha, atingindo bens da União. 

Conforme afirmado na inicial, consoante o disposto no art. 20, IV, VI e VII da CF/88, as praias marítimas, o mar, os terrenos de marinha e seus acrescidos configuram bens da União. A competência jurisdicional federal, portanto, resta evidenciada em face da titularidade dos bens jurídicos afetados, incidindo na hipótese o art. 109, I, da Constituição Federal.

Em realidade, o reconhecimento da existência de interesse da União justifica a atuação do Ministério Público Federal para o ajuizamento da ação civil pública, sendo que a sua presença no polo ativo basta, por si só, para configurar a competência da Justiça Federal para o processamento da ação.

Dessa forma, configurada a competência da Justiça Federal e desta 9ª Vara Federal para o processamento da ação.

– Legitimidade passiva da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Falta de interesse. Inépcia da inicial. 

Em relação à ANA a inicial não preenche os requisitos processuais para prosseguimento da ação.

Os autores limitam-se a transcrever as disposições legais relativas às atribuições da Agência relacionadas ao saneamento básico e fiscalização de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União, sem apresentar quaisquer fundamentos fáticos e jurídicos para demonstrar o interesse processual para o ajuizamento da demanda em face da Agência, em relação à qual não é mencionada participação em quaisquer atos administrativos praticados ao longo dos anos no que se refere à questão objeto dos autos, ou a sua intervenção em processos judiciais, tampouco é relatada sua participação no procedimento de licenciamento impugnado, de responsabilidade da FEPAM, ou ainda que, instada a tanto, tenha-se negado a atuar no exercício do que seriam suas atribuições legais, para justificar o ajuizamento de ação judicial com pedido nitidamente mandamental. 

Ademais, a competência da ANA é para fiscalização do uso de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União, entre os quais não está incluído o Rio Tramandaí. A fiscalização, neste caso, compete à própria FEPAM.

Isto porque os rios e lagos federais são aqueles se encontram em terrenos de domínio da União ou que que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (art. 20, III, da Constituição Federal). Nenhuma dessas situações se verifica no presente caso.

O próprio mapa interativo elaborado pela ANA que informa a dominialidade dos rios do Brasil, se estadual ou federal, demonstra a inexistência de dominialidade federal nos corpos hídricos de que trata a presente ação. (vide em https://portal1.snirh.gov.br/ana/apps/webappviewer/index.html?id=ef7d29c2ac754e9890d7cdbb78cbaf2c ).

Com bem apontado na manifestação da CORSAN, não há qualquer razão que justifique a presença da Agência, justamente porque a ANA não detém as competências e atribuições que a legitimariam atuar no feito. Veja-se que a ANA tem sua atuação definida pela Lei Federal 9.984/2000, com objetivos que envolvem a gestão de recursos hídricos de domínio federal, sendo que o Rio Tramandaí se trata de um rio de dominialidade indiscutivelmente estadual:

Art. 4o A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades públicas e privadas integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, cabendo-lhe: […] V – fiscalizar os usos de recursos hídricos nos corpos de água de domínio da União; 22.

Toda a gestão relacionada ao Rio Tramandaí, por disposição legal e organização do Sistema Estadual de Recursos Hídricos, compete ao Estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente ao Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (DRHS/SEMA).

Da mesma forma, a competência da ANA para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, nos termos do Art. 4º-A, da Lei nº 9.984/2000, constitui poder meramente normativo, não lhe conferindo a atribuição reguladora e fiscalizadora dos serviços de saneamento.

Assim, para prosseguimento da ação em relação à Agência, a inicial deve ser emendada apresentando as razões de fato e de direito que demonstrem a legitimidade passiva e o interesse processual, consubstanciado na demonstração da utilidade e necessidade do provimento judicial postulado, sob pena de indeferimento da inicial. Prazo 15 dias.

– Interesse da FUNAI e da União.

Defiro o pedido de intimação da União e da FUNAI para que manifestem interesse em integrar a lide, e em que condição, o que deverão fazer de forma fundamentada. Prazo: 10 dias.

– Intimação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí para, querendo, funcionar como amicus curiae.

Essa modalidade de intervenção de terceiro está prevista no art. 138 do Código de Processo Civil: 

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.

§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae.

§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Além da relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, é necessário que haja a representatividade adequada para o desempenho da atribuição de amigo da corte, ou seja, de contribuir para o julgamento da causa. Leciona a doutrina:

Exige-se, nesse caso a existência de representatividade adequada, ou seja, que o terceiro demonstre ter um interesse institucional na causa, não sendo suficientes interesses meramente corporativos, que digam respeito somente ao terceiro que pretende ingressar na ação. Por interesse institucional compreende-se a possibilidade concreta do terceiro em contribuir com a qualidade da decisão a ser proferida, considerando-se que o terceiro tem grande experiência na área à qual a matéria discutida pertence.

A pessoa jurídica deve ter credibilidade e tradição de atuação concernentes à matéria que se discute, enquanto da pessoa natural se espera conhecimento técnico sobre a matéria. Ainda que sejam conceitos indeterminados dependentes de grande dose de subjetivismo, são requisitos que se mostram importantes para evitar a admissão de terceiros sem efetivas condições de contribuir com a qualidade de prestação jurisdicional (Grifou-se) (Daniel Amorim Assumpção Neves, in Manual de Direito Processual Civil. 9. ed, Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 373 e 374).

O interesse corporativo da entidade não é suficiente para o ingresso no feito nessa modalidade, embora não seja impeditivo, quando demonstrada a efetiva possibilidade de apresentação de elementos informativos para além daqueles fornecidos pelas partes. “Não é incomum, por exemplo, que determinada entidade de classe, precisamente porque seus membros têm interesse na definição da interpretação ou validade de certa norma, promova diversos simpósios, estudos, levantamentos ou obtenha pareceres de especialistas sobre o tema. (Breves comentários ao Novo CPC/Teresa Arruda Alvim Wambier et al., coordenadores – SP, Editora RT, 2015, p. 442).

Não é função do amicus curiae defender interesses subjetivos em demandas individuais, objetivando o fornecimento de subsídios para aprimorar a prestação jurisdicional na busca de uma solução justa, dada a sua expertise na matéria.

Com isso afasta-se a possibilidade de intervenção no processo na condição de amicus curiae de pessoa natural ou jurídica que tenha interesse na causa. Nesse sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INGRESSO DE AMICUS CURIAE NO FEITO. INVIABILIDADE. I. A intervenção de amicus curiae no feito pressupõe o implemento de certos requisitos – relevância da matéria, especificidade do tema objeto da demanda ou repercussão social da controvérsia. II. Não há razão para admitir o ingresso do Instituto Curicaca no feito, porquanto este possui interesse direto na causa, não sendo mero colaborador do juízo na busca de uma decisão justa, movido por interesse que transcende ao das partes. (TRF4, AG 5021451-07.2024.4.04.0000, 4ª Turma, Relatora para Acórdão VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, julgado em 11/12/2024).

No presente caso, entendo que não há necessidade de solicitação de intervenção na condição de amicus curiae do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí para fornecimento de subsídios ao julgamento da causa, dado que todos os subsídios técnicos necessários ao esclarecimento da causa são de conhecimento tanto das partes demandadas, CORSAN e FEPAM, assim como da área técnica do Ministério Público Federal, além de que por ter participação na formulação da política pública pode-se considerar haver interesse direto na causa, impossibilitando a participação nessa condição.

Indefiro o pedido.

– Da tutela de urgência postulada.

Conforme sintetizado no despacho que determinou a intimação prévia dos entes demandados para manifestação, o Ministério Público Federal, provocado pelo Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN), ingressou com a presente Ação Civil Pública com vistas a discutir a Licença Prévia e de Instalação para Alteração – LPIA n° 307/2023, emitida pela FEPAM para autorizar a CORSAN a instalar Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), composta por dois módulos pré-fabricados de 100L/s cada, com lançamento previsto no “Ponto 3” do Rio Tramandaí, situado no município de Osório.

A inicial narra que a própria área técnica do MPF, em escrutínio aos estudos que lhe foram encaminhados pela FEPAM, não observou óbices à emissão da referida LPIA 307/2023, situação que conduziu a emissão da Licença Prévia e de Instalação para Alteração – LPIA n° 408/2023, em 16 de outubro de 2023, por parte do Órgão Ambiental estadual.

Entretanto, o Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN), ofereceu requerimento ao MPF para a suspensão imediata da construção do emissário lagunar de efluentes de Capão da Canoa e de Xangri-Lá para despejo na Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí, aduzindo ser o empreendimento prejudicial ao ecossistema local e às comunidades envolvidas.

Diante dessa provocação, o MPF encaminhou a documentação para o contraditório da FEPAM e da Corsan e para análise técnica pericial do MPF, que emitiu o parecer nº 2862/2024, cujo teor apontou incertezas na calibração dos modelos hidrodinâmicos e de qualidade da água.

Também realizou reuniões nos dias 17/04/2024 e 19/06/2024 com o Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN) e, no dia 04/09/2024, foi realizada reunião com a CORSAN, FEPAM, MP Estadual, os Municípios de Tramandaí, Imbé, Osório, Xangri-Lá e Capão da Canoa, para tratar do lançamento de efluente no Ponto 3, quando esclarecidas dúvidas e oportunizado prazo aos municípios para que apresentassem seus questionamentos.

Esclarece o MPF que requereu análise às mesmas peritas que apreciaram a petição apresentada pelo Movimento Litoral Norte RS, para análise do contraditório encaminhado pela FEPAM e pela Corsan.

O pedido liminar é para que a Licença nº 408/2023 seja declarada nula ou, subsidiariamente, suspensa até apresentação de Estudo de Impacto Ambiental e de realização de audiências públicas em que sejam ouvidos os municípios envolvidos, sociedade, ribeirinhos e indígenas, e ocorra a reavaliação do procedimento administrativo.

Basicamente, em apertadíssima síntese, os fundamentos da ação especialmente para concessão da tutela de urgência pretendida são:

(i) pretende a declaração de nulidade ou a suspensão liminar da LPIA 408/2023, pela aplicação do princípio da precaução, devendo ser realizada nova análise pelo órgão licenciador, considerando os dados de monitoramento reais, conforme disposto no item 2.6.1 da LPIA n° 408/2023, o que deverá se dar obrigatoriamente antes do início da fase de testes de lançamento; 

(ii) ausência de audiência pública para consulta com a participação da sociedade, dos municípios afetados, das populações ribeirinhas que vivem da pesca artesanal e das comunidades indígenas, para concretização do direito de consulta da Convenção 169 da OIT;

(iii) ausência de estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental – EIA/RIMA.

Destado que no bojo da ACP proposta pelo Município de Imbé, quando tramitou na Justiça Federal, o próprio MPF se manifestou contra o deferimento da liminar requerida, em outubro de 2024, pelos seguintes fundamentos, in verbis (processo 5043193-31.2024.4.04.7100/RS, evento 17, DOC1):

A parte autora postula, liminarmente, a suspensão das obras de ampliação do sistema de esgoto sanitário, que visa descartar na bacia hidrográfica do Rio Tramandaí o efluente tratado até que se realizem os novos estudos.

Em análise aos presentes autos, verifica-se que a Licença Prévia e de Instalação para Alteração do SES Xangri-lá nº 307/2023, complementada pela nº 408/2023, emitida pela Fepam-RS em favor da Companhia Riograndense de Saneamento – Corsan, possui uma série de condicionantes bastante restritivas.

A Corsan contratou a empresa Rhama Consultoria Ambiental, sob a coordenação do Professor Carlos Tucci, com conhecimentos notórios na área, para realizar estudos que subsidiaram o pedido de LPIA junto à Fepam, de forma alinhada às conclusões do Grupo Técnico de Trabalho Saneamento Litoral Norte instituído pela Portaria Conjunta SEMA-FEPAMCORSAN nº 08/2020 (estudos anexos).

Os referidos estudos e a LPIA foram encaminhados para perícia técnica deste MPF, que não observou óbices à emissão da LPIA nº 307/2023 emitida pela Fepam, desde que fossem realizadas e obedecidas todas as exigências/orientações/recomendações citadas na referida licença (Laudo técnico anexo).

Em 14/08/2024, o MPF recebeu requerimento do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN) contendo 17 (dezessete) anexos, através do qual foi requerida a suspensão imediata da construção do emissário lagunar de efluentes de Capão da Canoa e de XangriLá para despejo na Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí (requerimento anexo)

A referida documentação foi encaminhada para a Fepam e a Corsan apresentarem contraditório. A Corsan apresentou. A Fundação, por sua vez, requereu dilação, a qual foi deferida e encontra-se no prazo para resposta. Considerando a importância e a complexidade do tema referente à falta de saneamento do Litoral Norte RS, este Parquet Federal encaminhou a petição do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte RS, bem como a resposta da Corsan, para nova análise técnica pericial deste MPF, a qual recebeu o nº 2862/2024 

Aliado a isso, foram realizadas reuniões nos dias 17/04/2024 e 19/06/2024 com o Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN), oportunidade na qual o MPF informou sobre a importância de que fosse apresentada documentação técnica para análise pericial. Ainda, no dia 04/09/2024, foi realizada reunião com a Corsan, Fepam, MP Estadual, os Municípios de Tramandaí, Imbé, Osório, Xangri-Lá e Capão da Canoa para tratar sobre o saneamento do Litoral Norte RS, especificamente sobre o lançamento de efluente tratado no ponto três do rio Tramandaí. Na oportunidade, foram esclarecidas dúvidas e oportunizado prazo aos municípios para que apresentassem seus questionamentos, caso considerassem pertinente.

Por todo o exposto, e considerando que: i) houve estudos aprofundados por parte da Corsan acerca do lançamento no ponto 3 do rio Tramandaí; b) houve análise criteriosa por parte da Fepam no bojo do licenciamento, cuja licença prevê uma série de condicionantes; iii) o parecer da área pericial deste MPF não viu óbice ao lançamento no ponto 3 do rio Tramandaí, desde que atendidas as condicionantes, este MPF manifesta-se, neste momento, pelo indeferimento do pedido liminar alinhavado pelo requerente.

Todavia, como o assunto é complexo e merece análise técnica aprofundada, o que será feito no bojo da análise pericial em curso neste MPF, o Parquet Federal pugna pela dilação de prazo para apresentação de parecer mais detalhado acerca do pedido liminar.

Como bem relatado na própria inicial desta ação, a área técnica do Ministério Público Federal não observou óbices à emissão da LPIA nº 307/2023 emitida pela FEPAM, desde que fossem realizadas e obedecidas todas as exigências/orientações/recomendações citadas na referida licença. 

Considerou naquele momento que: i) houve estudos aprofundados por parte da Corsan acerca do lançamento no “Ponto 3” do rio Tramandaí; ii) houve análise criteriosa por parte da FEPAM no bojo do licenciamento, cuja licença prevê uma série de condicionantes; iii) o parecer da área pericial deste MPF não viu óbices ao lançamento no “Ponto 3” do rio Tramandaí, desde que atendidas as condicionantes.

Posteriormente, em complementação, a FEPAM expediu a Licença Prévia e de Instalação para Alteração – LPIA n°408/2023, em 16 de outubro de 2023, prevendo uma série de condicionantes.

Entretanto, em 14/08/2024, o MPF recebeu requerimento e documentos do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN), que foram encaminhados à sua área técnica para análise.

Em 06/11/2024, sobreveio novo laudo técnico do MPF, o de nº 1319/2024, o qual apontou a existência de lacuna de dados, temporais e espaciais, que acarretam incertezas na calibração dos modelos hidrodinâmicos e de qualidade da água, o que reduziu a confiabilidade nos prognósticos apresentados, com resultados frágeis para os cenários propostos. No referido parecer, foi sugerido pelas experts que fosse solicitado ao órgão ambiental informações atualizadas acerca do cumprimento do item 2.6.1 da LPIA n°408/2023, o que deverá se dar obrigatoriamente antes do início da fase de testes de lançamento e, conforme especificado na licença, mediante a comprovação da “viabilidade ambiental quanto ao aspecto da biota aquática”.

Ocorre que os documentos apresentados pelo Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN) foram contraditados pela FEPAM e pela CORSAN, cujas respostas foram encaminhadas para análise da área técnica do MPF que sequer realizou sua análise antes do ajuizamento da presente ação, para verificar se as informações sanavam ou elucidavam as questões e dúvidas técnicas levantadas, conforme deixa claro a própria inicial (p. 6):  

Após o recebimento do referido parecer, o Parquet Federal realizou novo pedido de análise técnica para as mesmas peritas que analisaram a petição apresentada pelo Movimento Litoral Norte RS, sob nº 3866/2024, para análise do contraditório encaminhado pela FEPAM e pela Corsan. No entanto, em face das demandas urgentes e de férias marcadas, foi necessário ajustar o prazo final do pedido para 21/03/2025.

Contudo, diante desse novo cenário, mesmo que o laudo técnico pericial do MPF nº 1319/2024 não seja definitivo e encontrar-se para nova análise acerca do contraditório, considerando as incertezas apontadas pela área pericial do MPF, restou apenas a via judicial como o meio adequado para buscar a declaração de nulidade da LPIA n° 408/2023, com posterior nova análise pelo licenciador, até que seja apresentado o EIA/RIMA, seja(m) realizada(s) a(s) audiência(s) pública(s), sejam ouvidos os municípios envolvidos, sociedade, ribeirinhos e indígenas, e ocorra a reavaliação do procedimento administrativo.

Dos relatos da inicial, destaco também que além de reuniões com o Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (Mov/LN), o Ministério Público informa que no dia 04/09/2024, foi realizada reunião com a Corsan, FEPAM, MP Estadual, os Municípios de Tramandaí, Imbé, Osório, Xangri-Lá e Capão da Canoa para tratar sobre o saneamento do Litoral Norte do RS, especificamente sobre o lançamento de efluente tratado no “Ponto 3” do rio Tramandaí. Na oportunidade, foram esclarecidas dúvidas e oportunizado prazo aos municípios para que apresentassem seus questionamentos, caso considerassem pertinente.

Portanto, a inicial se embasa em meras dúvidas técnicas lançadas pela assessoria técnica do MPF quanto à possível incerteza ou imprecisão em relação aos modelos hidrodinâmicos, que reduziria a confiabilidade dos prognósticos apresentados, que sequer são definitivas, pois pendentes de análise quanto aos esclarecimentos e contraditório feitos pela FEPAM e pela CORSAN, e que podem ter sanado ou elucidado os questionamentos, visto que estes foram realizados, inclusive, sem análise da íntegra do procedimento administrativo e de seus documentos técnicos, o que fragiliza os fundamentos da presente ação civil pública. 

Além disso, não se trata de procedimento de licenciamento feito sem qualquer participação ou esclarecimento da comunidade e dos municípios envolvidos, os quais são demandados pelo Ministério Público em diversas ações há longos anos e obrigados a solucionarem as graves deficiências do sistema de esgotamento sanitário, demandando a realização de vultuosos investimentos e obras, no contexto das quais se insere o licenciamento que se pretende suspender ou anular na presente ação, com base em argumentos técnicos preliminares quanto à incertezas presentes nos estudos prévios realizados. 

O LAUDO TÉCNICO Nº 1319/2024-ANPMA/CNP (ev.1 – LAUDOPRIC2, P. 28) que embasa a inicial consigna:

Ademais, com relação à qualidade do efluente tratado foram considerados três cenários: (i) atendimento aos padrões estabelecidos na Resolução Consema 355/2017; (ii) Tratamento Avançado Nível I (com padrões de lançamento mais restritivos que o Consema) e (iii) Tratamento Avançado Nível II (com padrões mais restritivos que o Tratamento Avançado Nível I).

Em que pese a adoção de cenários rigorosos em relação aos padrões de qualidade do efluente tratado (tratamento avançado I e II), cumpre observar que a maior parte das ETEs integrantes do sistema rio Tramandaí se encontra em operação há anos (ETE Tramandaí, ETE Xangri-Lá I e II, ETE São Jorge e ETE Guarani). Em nenhum momento foram considerados os dados operacionais das ETEs, de forma a possibilitar a simulação do modelo com dados reais. Tampouco foi esclarecido no estudo de que forma as ETEs em operação atenderiam os padrões de lançamento simulados, especialmente aqueles definidos para nutrientes, uma vez que parte das ETEs não conta com unidade de tratamento terciário e algumas delas lançam os efluentes brutos diretamente em bacias de infiltração.

Diante do exposto, sugere-se que, além da validação do modelo com dados reais do corpo receptor, sejam apresentadas simulações que considerem os dados atuais reais de eficiência das ETEs envolvidas.

Em termos de vazão, entende-se pertinente a avaliação do comportamento do corpo receptor com o recebimento de vazões gradativas, seguindo o cronograma de vazões proposto na licença.

De posse dessas informações seria possível avaliar os riscos ao estuário, associados ao incremento gradativo de vazões, considerando dados representativos de qualidade da água do corpo receptor e de operação das ETEs constituintes do sistema. Apesar das incertezas associadas ao prognóstico apresentado no modelo, cumpre observar que a vazão inicial concedida pela LPIA nº 408/2023, de 20 L/s, é muito inferior à vazão de final de plano proposta, de 350 L/s. Assim, é esperado que o impacto seja menor com a vazão inicial, assumindo-se, como indicado no modelo, que o efluente tratado atenderia no mínimo os padrões de lançamento estabelecidos na licença. (grifei)

Ocorre que a LICENÇA PRÉVIA E DE INSTALAÇÃO PARA ALTERAÇÃO 00408/2023 – Processo 4572-05.67/22.1, que envolve a instalação de Estação de Tratamento de Efluentes composta de 02 (dois) módulos pré fabricados de 100 L/s cada, com lançamento previsto no Ponto de Lançamento PT3 (Rio Tramandaí), foi expedida em 16/10/2023 prevendo uma série de condições e restrições, entre as quais destaco:

2.4. o lançamento no Rio Tramandaí, nas coordenadas indicadas nesta licença, mesmo em comissionamento e operação assistida, está condicionado ao atingimento de todos os padrões de tratamento expressos neste documento, à validação do modelo de simulação por meio de dados reais, bem como à comprovação de sua viabilidade ambiental quanto ao aspecto da biota aquática;

2.5. as vazões de lançamento no corpo receptor serão autorizadas pela FEPAM a partir do comissionamento, iniciando em 20 L/s e seguindo aumento gradativo da vazão respeitando intervalo de no mínimo 180 dias, sempre acompanhada de monitoramento adequado, com ampliação da vazão autorizada por meio de instrumento específico;

2.6- devem ser atendidas as condições e restrições do cronograma de expansão proposto, mediante a apresentação das seguintes informações complementares:

2.6.1- até o final do ano de 2024 ou antes do início do lançamento de 100 L/s, o que ocorrer primeiro, apresentar resultados consolidados do Plano de Monitoramento Quali-Quantitativo (PMQQ) e do Plano de Monitoramento da Biota Aquática (PMBA) e nova rodada do modelo e resultados atualizados das campanhas de controle do excedente de vazão pluvial e ligações irregulares, com avaliação acerca da eficiência de tais ações nas características do esgoto afluente à ETE;

2.6.2- até o final do ano de 2026 ou antes da instalação do segundo módulo e ampliação do lançamento para 200 L/s, o que ocorrer primeiro, apresentar resultados dos Estudos Complementares da Avaliação da Capacidade de Recepção de Efluentes Domésticos Tratados pela ETE de Osório na Lagoa dos Barros e Avaliação de Alternativas de Reúso e viabilidade de aplicação para a situação da ETE II; e

2.6.3- até o final do ano de 2030 ou antes da ligação do SES Capão da Canoa e ampliação do lançamento para 350 L/s, o que ocorrer primeiro, apresentar estudo conclusivo sobre a implantação de emissário(s) submarino(s).

Essas condições, além de afastarem o risco imediato de dano irreparável ou de difícil reparação, correspondem às providências referidas no próprio pedido veiculado na inicial que pretende seja determinada a realização de nova análise pelo órgão licenciador, considerando os dados de monitoramento reais, conforme disposto no item 2.6.1 da LPIA n° 408/2023, o que deverá se dar obrigatoriamente antes do início da fase de testes de lançamento e, conforme especificado na licença, mediante a comprovação da “viabilidade ambiental quanto ao aspecto da biota aquática”

O pedido de tutela, nesse aspecto, também é contraditório, visto que busca, em tutela de urgência, a declaração de nulidade da LPIA n° 408/2023 ou, subsidiariamente, a sua suspensão e, ao mesmo tempo, postula que sejam observadas pelo empreendedor as condições e restrições previstas na própria Licença. Caso anulada ou suspensa esta, não haveria razão ou fundamento para observância das suas condicionantes previstas no ato administrativo, que igualmente estariam alcançadas pela decisão anulatória, ficando prejudicadas.

Aliado a isso, a condição 2.7 prevê a elaboração e apresentação junto ao pedido de Licença de Operação, ou seja, antes do início efetivo do lançamento dos efluentes, de um Plano de Contingência contendo alternativas operacionais e de destinação dos efluentes tratados (emissário submarino, reúso agrícola, infiltração por meio de bacias, etc) para o caso de ser necessário suspender ou limitar a vazão de lançamento no Rio Tramandaí., prevenindo a ocorrência de danos ambientais pela cessação do lançamento do efluente, caso se verifique necessário. 

Apesar disso, a área técnica do MPF, tratando da questão relativa ao estudo conclusivo sobre a implantação de emissário(s) submarino(s), diz que essa alternativa demandaria apresentação de EIA/RIMA, além da realização de outros estudos e projetos específicos, o que demandará tempo de elaboração, sem contar todo o tempo necessário à apreciação pelo órgão licenciador e eventual execução. Dito isso, conclui-se que no caso de eventuais problemas no lançamento de efluentes pretendido na BHT, não haverá alternativa técnica passível de operação a curto e médio prazos. 

Ou seja, anular licenciamento em questão implicaria impossibilitar a implantação da alternativa possível a curto e médio prazo para as necessidades de ampliação da cobertura do Sistema de Esgotamento Sanitário do Município de Xangri-lá, pois a implantação de emissário submarino, como alternativa definitiva para o sistema, somente é possível a longo prazo e sequer há certeza quanto à sua viabilidade.

No que se refere à alegação constante no Laudo Técnico nº 1319/2024 no sentido de que aplicação do modelo como se apresenta não se mostra adequado para avaliar as concentrações que efetivamente ocorrerão nos cenários futuros, pertinente a análise da CORSAN feita no Relatório Técnico nº 013/2025, que transcrevo:

Importa ressaltar que os modelos como o referente ao estudo de capacidade de suporte não têm como objetivo determinar as concentrações que efetivamente ocorrerão, pois todos os modelos têm limitações. Não obstante, tais incertezas se aplicam tanto para os cenários com lançamento de efluentes simulados quanto para os cenários de referência, sem o lançamento, permitindo a avaliação de eventual impacto do lançamento dessas cargas, ao permitir uma análise comparativa. Quanto às limitações e incertezas, o órgão ambiental competente avaliou o estudo e estabeleceu como condicionante a realização de extenso monitoramento e a realização de nova modelagem com dados primários de tal monitoramento, que deverá ser apresentada antes da autorização para lançamento. (grifei)

Diante das condições e restrições previstas na LPIA 408/2023, não há razão para invocação do princípio da precaução, considerando que escolha do ponto de lançamento do efluente tratado no rio Tramandaí foi baseada no Plano de Bacia do Rio Tramandaí e no Relatório Final do GTT do Litoral Norte, que envolveu CORSAN, SEMA/DRHS, FEPAM e MPF, embasado em amplos estudos técnicos, e que entrará em funcionamento após a apresentação dos resultados do Plano de Monitoramento Quali-Quantitativo (PMQQ) e do Plano de Monitoramento da Biota Aquática (PMBA), além de estar prevista a efetiva avaliação das características do esgoto afluente à ETE.

O monitoramento continuará ocorrendo após a entrada em funcionamento do lançamento do efluente, de forma a possibilitar a limitação ou mesmo a suspensão de lançamento no Rio Tramandaí diante de eventuais resultados indesejados, além de que poderá haver a readequação dos padrões de emissão caso haja comprometimento do corpo receptor com o lançamento de efluente tratado, superveniência de legislação ou conflito com usos da água prioritários (9.3).

Quanto ao monitoramento a ser realizado, a CORSAN (Relatório Técnico nº 013/2025) traz importante esclarecimento quanto à sua extensão, demonstrando a preocupação em não permitir a ocorrência de danos sem que sejam devidamente detectados:

Quando do lançamento de efluentes em corpos hídricos receptores usuais, o monitoramento em geral se limita a um ponto a montante do lançamento e um ponto a jusante do lançamento, bem como o monitoramento do efluente propriamente dito.

No caso do monitoramento associado ao lançamento em tela, este é extenso e minucioso, contemplando aspectos hidrodinâmicos, físico-químicos, biológicos e ecotoxicológicos, trazendo segurança para a operação do sistema e respectivo lançamento de efluentes tratados.

Para a execução do monitoramento foi contratada consultoria ambiental especializada em sistemas costeiros, estuarinos, lagunares, lacustres e marítimos, contando com a expertise de biólogos, oceanólogos, geógrafos, geólogos, engenheiros ambientais e técnicos em hidrologia da empresa Arvut Meio Ambiente Ltda.

Para a execução das análises, a consultoria contratada conta com o apoio de laboratório acreditado pelo INMETRO e cadastrado na Fepam, conforme determina a Portaria Fepam nº 29/2017.

Este monitoramento foi iniciado em abril/2024 e contempla 32 pontos de monitoramento da bacia do Rio Tramandaí (percorrendo desde a lagoa Itapeva, até a Lagoa das Custódias, passando por Arroio do Sal, Capão da Canoa, Xangri-Lá, Osório, Imbé e Tramandaí, conforme Figura 2), e contempla, além das questões hidrodinâmicas e de qualidade da água, diversos aspectos da biota aquática, englobando a análise de fitoplâncton, zooplâncton, zoobentos, macrófitas aquáticas, ictiofauna e carcinofauna, desta forma contemplando diferentes níveis tróficos.

O monitoramento consiste em:

• 21 pontos de monitoramento de qualidade da água doce;

• 8 pontos de monitoramento de qualidade da água salobra;

• 28 pontos de monitoramento limnológico;

• 25 pontos de monitoramento da biota aquática (ictiofauna e carcinofauna);

• 17 pontos de medição de nível; 

• 16 pontos de medição de vazão;

• 13 pontos de medição de velocidades; e

• 16 locais com levantamento de seções topobatimétricas.

Além disso, como anotado pela própria área técnica do MPF, entende-se pertinente a avaliação do comportamento do corpo receptor com o recebimento de vazões gradativas, seguindo o cronograma de vazões proposto na licença, ou seja, não há um risco atual e eminente de dano ambiental.

Com efeito, o lançamento de efluentes foi licenciado de forma escalonada e de acordo com os resultados do monitoramento, demonstrando preocupação e a prevenção objetivando a manutenção das condições do ambiente natural, e ao mesmo tempo possibilitando a ampliação da cobertura de saneamento, essencial para a manutenção da saúde da população e a preservação e recuperação do meio ambiente impactado pela ausência de saneamento básico.

Destaque-se também que serão mantidas as vazões máximas infiltradas nas 16 bacias de infiltração existentes, de forma a compor as estratégias de destinação dos efluentes tratados que não apenas o lançamento no Rio Tramandaí, tornando o sistema mais robusto e menos vulnerável ambientalmente, sendo que todo o efluente tratado deve ser destinado às bacias de infiltração e apenas o excedente à capacidade de infiltração deve ser direcionado ao lançamento superficial, conforme previsto nos itens 2.2.3 e 9.2.1.

No que se refere às cargas dos cenários simulados nos estudos que embasaram a emissão da Licença e as cargas que estão sendo licenciadas, transcrevo novamente a análise do Relatório Técnico nº 013/2025 – demonstrando que se espera um impacto bem menor do que o previsto nos cenários simulados previamente:

ao cotejar os padrões estabelecidos na licença ambiental (LPIA 408/23) com os cenários simulados, verifica-se que as cargas contempladas na LPIA 408/2023 representam de 4% a 20% das cargas simuladas no estudo da Rhama para lançamento no Ponto 3 e para as quais foi verificada viabilidade.

Além disso, o estudo simulou não somente o lançamento de 500 L/s no Ponto 3, mas também o lançamento simultâneo de mais 328 L/s no Ponto 4 (localizado alguns quilômetros a jusante do mesmo corpo hídrico, o rio Tramandaí).

Dessa forma, o lançamento de efluentes tratados associados a esta licença corresponde a um quantitativo de cargas remanescentes significativamente menor do que o simulado no referido estudo.

O impacto do lançamento de efluentes em um corpo receptor está associado, em especial, à carga lançada. (Laudo Técnico nº 1319/2024-ANPMA/CNP – Fl. 28)

O Quadro 2 apresenta a comparação entre as concentrações verificadas como viáveis de lançamento no estudo da Rhama, considerando o lançamento de 828 L/s dividido entre o Ponto 3 e o Ponto 4, as concentrações estabelecidas na licença ambiental (compatíveis com as conclusões do estudo da Rhama) e os limites de emissão estabelecidos nas normativas estadual e federal, considerando o porte da ETE Xangri-Lá

O Quadro 3 apresenta a comparação entre as cargas verificadas como viáveis de lançamento no estudo da Rhama, considerando o lançamento de 828 L/s dividido entre o Ponto 3 e o Ponto 4, e as cargas resultantes da relação entre as concentrações estabelecidas na licença ambiental e as vazões citadas na referida licença, de 20 L/s, 64 L/s e 100 L/s.

[…]

No estudo foi verificada a viabilidade de lançamento de uma determinada vazão associada a uma concentração específica, verificando a capacidade de assimilação da carga resultante pelo corpo receptor. No entanto, ao se considerar agora um lançamento com vazão significativamente menor, mantendo-se a concentração, a carga total lançada será proporcionalmente reduzida. Isso significa que o efeito sobre o corpo hídrico receptor será significativamente menor do que o previsto no estudo, uma vez que a quantidade absoluta de substâncias introduzidas no sistema será inferior ao cenário previamente analisado. Dessa forma, a consideração de uma vazão reduzida implica diretamente na redução da carga, reforçando a segurança e a viabilidade do lançamento dos efluentes tratados.

Apesar das incertezas associadas ao prognóstico apresentado no modelo, cumpre observar que a vazão inicial concedida pela LPIA nº 408/2023, de 20 L/s, é muito inferior à vazão de final de plano proposta, de 350 L/s. Assim, é esperado que o impacto seja menor com a vazão inicial, assumindo-se, como indicado no modelo, que o efluente tratado atenderia no mínimo os padrões de lançamento estabelecidos na licença. (Laudo Técnico nº 1319/2024-ANPMA/CNP – Fl. 29)

O princípio da precaução, mencionado na inicial, é enunciado no nº 15 da Declaração Rio de Janeiro/92: Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Embora os riscos não possam ser excluídos, porque sempre permanece a probabilidade de um dano menor, eles podem ser minimizados com a adoção de medidas objetivando a redução da extensão, frequência e incerteza do dano, como ocorre no presente caso, com a imposição de todas as medidas que condicionam a licença de instalação, podendo-se concluir que não estão sendo descurados os princípios da precaução e da prevenção, uma vez que “No âmbito do Direito Ambiental, tem-se que o risco concreto ou potencial é controlado pelo princípio da prevenção, enquanto o abstrato encontra-se amparado no princípio da precaução, ao investigar a probabilidade de o risco existir por meio da verossimilhança e de evidências, mesmo não detendo o ser humano a capacidade perfeita de compreender este fenômeno (LEITE, J. R. M. DANO AMBIENTAL NA SOCIEDADE DE RISCO. São Paulo: Saraiva, 2012. E-book., p. 29). 

Conforme leciona o Professor Ingo W. Sarlet (Princípios do Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. E-book, p.47): “Os deveres de proteção do ambiente necessitam ser conciliados com a proteção de outros bens fundamentais e, ao mesmo tempo, os princípios ambientais devem ser realizados de modo o mais eficaz possível, justamente tendo em conta a conhecida noção de que princípios operam, pelo menos em certo sentido e em boa parte dos casos, como mandados de otimização não obedecendo à lógica do tudo ou nada. Além disso, considerados os aspectos referidos, a partir dos princípios se viabiliza também o próprio controle das ações e omissões dos órgãos estatais e até mesmo de atores privados, pois mesmo os atos designados de discricionários da administração pública são sempre os vinculados aos direitos e princípios fundamentais, sendo cabível, portanto, o controle jurisdicional”…”É claro que justamente o controle dos atos estatais, em especial do Poder Executivo e do Poder Legislativo, com base nos princípios, demanda rigor metodológico, o exercício do dever de motivação adequada e por vezes uma saudável autocontenção do Poder Judiciário, pena de tal controle desembocar em arbítrio e voluntarismo” .

No caso concreto, o estabelecimento pelo órgão ambiental licenciador de rigoroso padrão para tratamento para emissão do efluente e as diversas condicionantes impostas ao empreendimento, em especial aquelas relativas ao monitoramento do meio hídrico e da biota, já consideram a existência de incertezas relativas ao modelo matemático, à necessidade de monitoramento constante e à fragilidade ambiental da região, de forma a calibrar o modelo matemático com dados reais, como apontado como necessário pela própria área técnica do MPF, não havendo, nesse aspecto, divergência com o entendimento administrativo.

A cautela adotada pela FEPAM é clara ao permitir o lançamento de esgoto tratado no Ponto 3 somente no caso de confirmação da viabilidade ambiental após análise do monitoramento quali-quantitativo (qualidade da água, nível e vazões) e da bióta aquática e do novo estudo de capacidade suporte (apresentado considerando os dados primários de monitoramento das campanhas já realizadas), bem como atingimento dos padrões de emissão estabelecidos. Além disso, também foi estabelecida limitação da vazão inicial e escalonamento do aumento das vazões futuras, mediante análise do monitoramento ao longo do funcionamento do lançamento; e prevista a possibilidade de interrupção do lançamento a qualquer momento, prevenindo ou minimizando os riscos de ocorrência de danos ambientais. 

Ao mesmo tempo, a ampliação da capacidade do sistema de esgotamento sanitário irá contribuir para a diminuição da degradação ambiental existente, inclusive que afetam o corpo hídrico em questão justamente em decorrência da inexistência de tratamento e o consequente lançamento de esgoto bruto no sistema lagunar da bacia hidrográfica do Rio Tramandaí ou no oceano.

Importância das obras de expansão do saneamento. Desnecessidade de EIA/RIMA.

Não se pode desconsiderar a informação trazida pela CORSAN (Relatório Técnico nº 013/2025 -) de que nos municípios de Tramandaí, Imbé, Osório, Xangri-Lá e Capão da Canoa, aproximadamente 93 mil economias não contavam com coleta e tratamento de esgoto sanitário em 2024. Dessas, cerca de 34% estão localizadas em áreas que drenam para o sistema lagunar, contribuindo para o aporte de cargas difusas sem controle na área de drenagem das lagoas da bacia hidrográfica do Rio Tramandaí. Os 66% restantes situam-se em áreas de drenagem direta para o mar. A falta de infraestrutura de esgotamento sanitário leva à contribuição de cargas para o sistema lagunar e para o mar de forma difusa, seja por meio de sistemas fossa-sumidouro ou por meio de lançamentos irregulares. (…) A implementação da coleta e do tratamento de esgoto busca reduzir as cargas lançadas no ambiente, melhorando a qualidade da água no sistema lagunar e no mar, com reflexos positivos na balneabilidade das praias e em todos os ecossistemas envolvidos.

Entre os principais benefícios da universalização do saneamento estão: – Redução da contaminação dos corpos hídricos; – Melhoria da qualidade da água nas lagoas e rios da bacia; – Conservação da balneabilidade das praias do litoral; – Atenuação do impacto da poluição difusa gerada por ocupações urbanas sem infraestrutura sanitária.

A relevância e imprescindibilidade do serviço público de esgotamento sanitário é salientado na própria inicial, quando afirma que:

O saneamento básico, além de envolver o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, também constitui uma questão de saúde pública. Isso porque o saneamento básico possui, em um de seus pilares, a prestação de serviços de coleta, tratamento e disposição final do esgoto sanitário. Assim, abrange todas as atividades tendentes a prevenir doenças, a promover a saúde e a disponibilizar melhor qualidade de vida à população.. Dentro dessa perspectiva, a Constituição Federal determina:

Art. 21 – Compete à União:

XX instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.

Art. 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (…)

IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

Parágrafo único. Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Art. 197 – São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado

Assim, o serviço público de esgotamento sanitário deve ser visualizado, mais do que nunca, como serviço público essencial, sendo que seu bom grau de qualidade depende da sustentabilidade ambiental, e vice-versa. O direito à vida com dignidade só se torna efetivo quando combinados o direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo que a universalização de acesso aos serviços de esgotamento sanitário representa apenas uma etapa inicial do todo maior que precisa ser implementado.

Nesse sentido a implementação das disposições da Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, é um imperativo ao poder público, que deve atender da forma mais rápida possível a implementação dos princípios fundamentais previstos no art. 2º dessa Lei, dentre os quais destaco: I – universalização do acesso e efetiva prestação do serviço; II – integralidade, compreendida como o conjunto de atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento que propicie à população o acesso a eles em conformidade com suas necessidades e maximize a eficácia das ações e dos resultados; III – abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente.

Por decorrência lógica, o risco de dano ambiental, o prejuízo à qualidade de vida e riscos à saúde pública decorrem diretamente da inexistência ou insuficiência do sistema de esgotamento sanitário, de responsabilidade dos municípios envolvidos, razão pela qual respondem às ações civis públicas promovidas pelo Ministério Público Federal há longos anos, que objetivam obrigá-los justamente a implementar SES adequados em seus territórios. Com isso, vislumbra-se o risco inverso aos bens jurídicos mencionados pelo retardamento ou mesmo proibição da realização das obras que objetivam o melhoramento e ampliação do SES.

Conforme previsto no TAC firmado perante a Justiça Federal, a implantação de novas bacias de infiltração de efluente tratado na ETE II objetivando fazer cessar o extravasamento constante que ocorria naquela unidade é medida meramente paliativa em decorrência do aumento da população local, especialmente de veranistas, e pela crescente urbanização, não sendo suficiente para completa resolução do problema sanitário de forma definitiva, motivo pelo qual serão exigidos estudos quanto à viabilidade de implantação de emissário submarino como solução de longo prazo. Enquanto isso não ocorre, a implantação do emissário com lançamento na BHRT é a medida viável a curto e médio prazo.

O Prof. Paulo de Bessa Antunes menciona em seu parecer ( evento 10, DOC8) com propriedade:

 O corrente déficit de saneamento básico é uma gravíssima violação de direitos fundamentais, tais como o direito à saúde e o respeito à dignidade humana, dentre outros. As relações entre saneamento básico e a proteção e a promoção da saúde são tão relevantes que o nosso ordenamento jurídico lhes atribuiu status constitucional (CF, art.200). A existência de redes coletoras de esgotamento sanitário de forma a tratá-lo e dar-lhe destino adequado é medida de defesa do meio ambiente, evitando a poluição de corpos hídricos, rios, lagoas e mares.

– O saneamento básico, portanto, é essencialmente uma atividade de proteção e melhoria das condições ambientais e da saúde humana, além de gerar atividade econômica relevante.

Não estão em oposição no presente caso um empreendimento econômico em benefício exclusivo do empreendedor, de um lado, e de outro, os riscos de degradação do meio ambiente. Ao contrário, o próprio empreendimento objetiva a melhoria das condições ambientais e da saúde humana.

Necessidade ou não de exigência de EIA/RIMA.

No que se refere à necessidade ou não de exigência de EIA/RIMA para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, incumbe ao Poder Público exigir estudo prévio de impacto ambiental como forma de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 22, §1º, IV, da Constituição Federal).

O licenciamento ambiental é exigível de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 2º da Resolução CONAMA 237/97) sendo que empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ficarão sujeitos a prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), conforme previsto na Resolução CONAMA 237/97:

Art. 3º – A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.

A esse respeito a Lei nº 11.445/2007 estabelece:

Art. 44. O licenciamento ambiental de unidades de tratamento de esgotos sanitários, de efluentes gerados nos processos de tratamento de água e das instalações integrantes dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos considerará os requisitos de eficácia e eficiência, a fim de alcançar progressivamente os padrões estabelecidos pela legislação ambiental, ponderada a capacidade de pagamento das populações e usuários envolvidos.     (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020)

§ 1º A autoridade ambiental competente assegurará prioridade e estabelecerá procedimentos simplificados de licenciamento para as atividades a que se refere o caput deste artigo, em função do porte das unidades, dos impactos ambientais esperados e da resiliência de sua área de implantação.     (Redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020)

No mesmo sentido dispõe o Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul, Lei RS nº 15.434:

Art. 69. O licenciamento para localização, construção, instalação, ampliação, alteração e operação de empreendimentos ou atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados de significativo potencial de impacto ambiental, dependerá da apresentação do EIA e do respectivo RIMA, ao qual se dará publicidade, pelo órgão ambiental competente, garantida a realização de audiência pública e demais modalidades de participação pública, quando couber, conforme regulamentação.

§ 1º A caracterização dos empreendimentos ou das atividades como de significativo potencial de degradação ou poluição dependerá, para cada um de seus tipos, de critérios a serem definidos pelo órgão ambiental competente e fixados normativamente pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, respeitada a legislação federal.

§ 2º Baseado nos critérios a que se refere o “caput” deste artigo, o órgão ambiental competente deverá realizar uma avaliação preliminar dos dados e informações exigidos do interessado para caracterização do empreendimento ou da atividade, a qual determinará, mediante parecer técnico, a necessidade ou não da elaboração do EIA/RIMA, que deverá fazer parte do corpo da decisão.

Quanto ao rito do licenciamento adotado para a expedição da LPIA 408/2023, em 2021 no PROCESSO PROA: 21/0587-0002303-4, constou na Informação Técnica 08/2021 da FEPAM, que se tratava de encaminhamentos de licenciamento da CORSAN relativos à operação de ETEs no Litoral Norte, e de ações de gestão conduzidas pelo Grupo Técnico de Saneamento do Litoral Norte, formado por FEPAM, CORSAN e MPF e que contava, ainda, com a participação do MP-RS e de municípios da região:

Quanto aos estudos ambientais necessários para avaliação da alternativa de disposição de efluentes tratados em recursos hídricos superficiais, informamos que eles já foram listados no Apêndice B “Estudos necessários para seleção de alternativas”, subitem B.4.1 “Capacidade de Suporte do Sistema Lagunar”, constante no Relatório Final do Grupo Técnico de Trabalho Saneamento SEMA (GTT/SEMA), encaminhado ao Ministério Público Federal no dia 26/11/2020.

(…)

Quanto ao rito de licenciamento, considerando o disposto na Resolução CONSEMA nº 372/2018 e suas alterações, tendo em vista que a Companhia já possui LOs em vigor para os empreendimentos elencados no Relatório Técnico nº 069/2021, o licenciamento se dará através de LPIA nos termos da Portaria FEPAM nº 60/2020. Portanto, o rito de licenciamento ordinário iniciado por LP não se aplica nesse caso conforme pleiteado pelo empreendedor.

Portanto, observando as disposições legais acima transcritas e dentro do exercício de suas atribuições previstas na Resolução 237/97, a FEPAM, com base em análise técnica, entendeu que não se tratava de empreendimento potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, estabelecendo os estudos necessários definidos pelo GTT do Saneamento do Litoral Norte, e que não se tratava de licenciamento ordinário, iniciado por licença prévia, tampouco que seria necessária a elaboração de EIA/RIMA. 

A FEPAM considerou que o emissário diz respeito a uma atividade existente e licenciada, destinada à ampliação da capacidade e da modernização de uma Estação de Tratamento de Esgotos operacional, cujos impactos ao meio ambiente são conhecidos.

A esse respeito transcrevo parte do Parecer do Prof. Paulo de Bessa Antunes, juntado aos autos:

93 – O licenciamento ambiental foi realizado conforme as normas legais aplicáveis e considerando os impactos ambientais positivos e negativos do empreendimento, em um balanço equilibrado que considerou todos os aspectos do lançamento de efluentes tratados em nível terciário no rio Tramandaí. Conforme o que foi visto no parágrafo 84, compete ao órgão ambiental definir os casos de significativo impacto ambiental, de molde a exigir o estudo prévio de impacto ambiental.

94 – Como se sabe, os estudos prévios de impacto ambiental são caros e demorados, motivos pelos quais somente devem ser exigidos em casos para os quais sejam realmente necessários. Neste particular, convém relembrar que [a] solução adotada por muitas jurisdições é preparar um estudo preliminar ou uma avaliação inicial que indique o potencial do empreendimento causar impactos significativos. Caso a conclusão desse estudo seja positiva, então o empreendimento é submetido ao processo completo de avaliação de impacto ambiental. Caso seja negativa, o empreendimento passa por outras vias decisórias, que usualmente requerem a obtenção de uma série de autorizações, como a de suprimir vegetação nativa, de captar recursos hídricos superficiais ou subterrâneos, de emitir poluentes atmosféricas ou hídricos e outras mais, de acordo com a teia de regulamentações ambientais hoje existente na maioria das jurisdições (SÁNCHES, 1998, p. 40)

97 – A rigidez constitucional, em relação à obrigatoriedade de estudo prévio de impacto ambiental não se faz em relação à uma tipologia abstratamente considerada, mas ao projeto específico. Como se sabe, o objeto do licenciamento ambiental é um projeto concretamente considerado. Não se licenciam refinarias de petróleo, mas uma determinada refinaria em um determinado tempo e lugar. Por isso, não se dispensam EIAs, estes são sempre exigíveis caso a avaliação concreta feita pelo órgão ambiental indique a presença de impacto significativo (…)

98 – No caso do Rio Grande do Sul, cuja legislação é a que rege o processo de licenciamento ambiental, a matéria consta do art. 69, §1º do Código Estadual do Meio Ambiente (Lei Estadual 15.434/2020):

Art. 69. O licenciamento para localização, construção, instalação, ampliação, alteração e operação de empreendimentos ou atividades utilizadoras de recursos ambientais considerados de significativo potencial de impacto ambiental, dependerá da apresentação do EIA e do respectivo RIMA, ao qual se dará publicidade, pelo órgão ambiental competente, garantida a realização de audiência pública e demais modalidades de participação pública, quando couber, conforme regulamentação.

§1º A caracterização dos empreendimentos ou das atividades como de significativo potencial de degradação ou poluição dependerá, para cada um de seus tipos, de critérios a serem definidos pelo órgão ambiental competente e fixados normativamente pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, respeitada a legislação federal.

99 – A disposição da legislação estadual é compatível com a regulamentação federal própria. Assim, a Resolução CONAMA nº 237/97 aduz que o EIA/RIMA se aplica a casos de significativo impacto e que o órgão ambiental competente, ao verificar que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, deverá definir os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento (…)  

100 – Parece claro que, ao órgão ambiental, está reservada à capacidade de analisar o caso concreto e, preliminarmente, identificar se a hipótese é de significativo impacto (significativa degradação) ambiental ou não. A partir desse ponto, exige-se, ou não, o EIA.

Por outro lado, as soluções acolhidas na LPIA não foram criadas ou sugeridas apenas durante o licenciamento simplificado, já constando como alternativa técnica e locacional possível no Plano de Bacia do Rio Tramandaí e no Relatório Final do GTT do Litoral Norte, assim como constou do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC firmado em 17/12/2021 pelo Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Município de Xangri-lá, Companhia Riograndense de Saneamento, Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler e grupo de empreendedores no processo 5081748-25.2021.4.04.7100, sem qualquer ressalva no que se refere à necessidade de apresentação de EIA/RIMA. 

A exigência desse estudo inviabilizaria por completo o cumprimento dos prazos negociados no Termo de Ajustamento de Conduta para a efetivação do licenciamento.

Nesse aspecto, importante transcrever as informações trazidas pela FEPAM (evento 10, NOTATEC10) referente aos sistemas de esgotamento sanitário no Litoral Norte, em especial referente aos municípios de Capão da Canoa, Xangri-lá, Imbé e Tramandaí, demonstrando que a opção para os lançamentos de efluente tratado das ETEs nos pontos P3 e P4, no Rio Tramandaí não é algo recente, que tenha sido abordada apenas no pedido de emissão da LPIA 408/2023:

O Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí (PBHT) foi elaborado em dois contratos, sendo o primeiro em 2005, com a empresa Profill Engenharia para o desenvolvimento das fases A (diagnóstico e prognóstico) e B (enquadramento), e o segundo em 2017, com a empresa STE, para atualizações e Fase C (Plano de Ações).

O diagnóstico da qualidade das águas foi feito com base em diversos pontos de monitoramento da bacia, em períodos diversos de dados, para praticamente todos os corpos lacustres e lagunares da região. Os resultados indicaram piora em relação à qualidade da água para os parâmetros Fósforo e E. Coli. Fator preponderante para esse resultado foram as características de uso da bacia, dando indicativos de que sua principal origem pode estar relacionada às descargas de esgotos sanitários, à utilização de fertilizantes no solo, bem como a despejos industriais, detergentes fosfatados, dejetos animais e fertilizantes. No diagnóstico também foi apontado que tal poluição pode atingir os corpos hídricos de forma difusa pelo carreamento de partículas de solo adubado erodido.

Nos cenários abordados dentro do PBHT, já são trazidos para os lançamentos pontuais, os pontos de lançamento de efluente tratado das ETEs dos municípios, sabidamente os pontos P3 e P4, no Rio Tramandaí.

Sobre o Plano de Ações previsto no PBHT, durante a Fase B foram apresentadas algumas propostas para serem discutidas na fase seguinte, a saber:

• Programa 06: Monitoramento de qualidade de água do sistema lagunar visando a calibração do modelo matemático de qualidade de água que possa ser utilizado para subsidiar deliberações sobre a localização dos efluentes das ETEs

• Programa 07:Estudo sobre a implantação de emissários marinhos como forma de solução do problema de destinação dos efluentes das ETEs regionais e proteção da qualidade das águas do sistema lagunar

Tais programas propostos se desdobraram nos seguintes programas finais do Plano de Ações do PBHT (Fase C):

• Programa 5.1:Aprimoramento do Modelo Hidrodinâmico de Qualidade de Água Visando Subsidiar Deliberações sobre a Localização dos Lançamentos dos Efluentes de ETEs nos Corpos Hídricos;

• Programa 2.2: Aprimoramento da Rede de Qualidade de Água

Em 2020, Grupo Técnico de Trabalho Saneamento Litoral Norte (GTT) foi instituído por Portaria Conjunta SEMA-FEPAM-CORSAN nº 8/2020 para propor alternativas de esgotamento sanitário para o Litoral Norte a partir de consenso entre as três instituições, com acompanhamento do Ministério Público Federal. O GTT avaliou as possibilidades de destinação dos efluentes sanitários tratados bem como indícios de viabilidade ambiental das diferentes alternativas ou estudos prévios adicionais necessários.

Para o município de Capão da Canoa, foram avaliadas as seguintes possibilidades: bacias de infiltração em solo, lançamento no Arroio Pescaria, Lançamento no Canal João Pedro, lançamento no canal de drenagem da Praia do Barco, lançamento em banhados situados às margens da Lagoa dos Quadros.

Para o município de Xangri-lá, foram avaliadas as seguintes possibilidades: bacias de infiltração em solo, reuso através da irrigação orizícola, desativação da ETE Figueirinha, melhorias na ETE Xangri-lá II, lançamento no Rio Tramandaí (P3), Lançamento no Canal João Pedro.

Para o município de Imbé, foram avaliadas as seguintes possibilidades: manutenção do lançamento no Rio Tramandaí (P4) já licenciado.

Para o município de Tramandaí, foram avaliadas as seguintes possibilidades: bacias de infiltração em solo, reuso através da irrigação orizícola, lançamento na Lagoa do Armazém, lançamento no Rio Tramandaí (P4).

Além das proposições para cada município, foram também definidos os estudos necessários para a seleção de qual/quais alternativas seriam viáveis técnica e ambientalmente para cada um, considerando:

• Adequação da destinação dos efluentes (com enfoque para os planos de ação para adequação das bacias de infiltração, atendimento aos padrões de lançamento conforme estipulado nas licenças ambientais vigentes e na demais normativas, cronograma executivo para adequação dos empreendimentos citados);

• Reuso de efluentes líquidos sanitários;

• Soluções individuais de esgotamento sanitário alternativas;

• Análise dos sistemas costeiros (com enfoque para Hidrodinâmica, Ecossistema aquático, Água subterrânea, Balneabilidade das praias, Sangradouros, Emissário submarino e banhados naturais)

Além disso, a CORSAN, no ano de 2022, contratou a consultoria especializada Rhama para elaboração de estudo de capacidade de suporte para verificação da possibilidade de lançamento de efluentes tratados em pontos indicados no Plano da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí, bem como, caso viáveis, suas concentrações para volumes pré-estabelecidos, baseados no crescimento populacional da região. O estudo de capacidade de suporte foi elaborado e coordenado pelo ex-professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, Professor Emérito Eng. PhD Carlos Eduardo Tucci.

As ações previstas no PBHT e os estudos apontados como necessários pelo GTT deram origem às condicionantes estabelecidas no licenciamento ambiental, de forma que as alternativas tecnológicas (infiltração em solo, reuso, lançamento direto nos corpos hídricos, lançamento oceânico), como as locacionais apresentadas (P3, P4, Praia do Barco e Arroio Pescaria) foram devidamente analisadas pela FEPAM.

De acordo com o órgão ambiental ( evento 10, NOTATEC10) o lançamento de efluentes TRATADOS representa um abatimento das cargas poluidoras em comparação à disposição de efluentes BRUTOS no ambiente. Portanto, admira-se querer enquadrar a ampliação do saneamento básico como uma ação de significativo impacto ambiental, principalmente em uma região a qual é composta de municípios em situação precária de esgotamento. 

As alternativas para solução do problema de esgotamento sanitário no Litoral Norte foram exaustivamente estudadas pelo Grupo Técnico de Trabalho Saneamento Litoral Norte. Desse trabalho, resultaram opções para serem utilizadas em série, não caracterizando alternativas entre si, quais sejam: infiltração no solo, lançamento superficial no sistema lagunar e lançamento no oceano. Devido aos custos envolvidos, necessidade de comprovação de viabilidade técnico-ambiental e tempo para elaboração de estudos e projetos, caracterizou-se necessidade de adoção sequencial de cada solução. É errado, então, afirmar que foi apresentada apenas uma alternativa, que seria o lançamento no rio Tramandaí, quando o conjunto de alternativas, usadas de forma simultânea ou complementar é que caracteriza solução para o problema de esgotamento sanitário da região, chancelado através do licenciamento ambiental da FEPAM.

Portanto, não vislumbro relevância na fundamentação nesse ponto.

Consulta às populações tradicionais.

No que se refere à nulidade do licenciamento por falta de consulta prévia às população tradicionais e à sociedade, a inicial menciona que não há um instrumento normativo que regulamente, de forma pormenorizada, o processo de consulta às comunidades tradicionais no Estado brasileiro, o que não impede a realização da medida. Diz que se cuida de um instrumento em construção e que nos termos do artigo 6º da OIT, a consulta deve ser prévia, livre e informada, ademais, deve ocorrer mediante procedimentos apropriados e com a participação das instituições representativas. Esses são os elementos essenciais e suficientes a serem observados. Afirma que é fácil perceber que a população afetada, sejam integrantes de comunidades tradicionais ou não, não se sente devidamente consultada e informada sobre os de talhes do empreendimento. A consulta prévia, livre e informada é prevista no artigo 6º da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre os direitos dos povos indígenas e tribais, incluindo-se os quilombolas e outras comunidades tradicionais. Não é possível se permitir que a consulta prévia ocorra em momento posterior à concessão de qualquer licença ambiental ou à to mada de qualquer decisão administrativa, isto é, deve haver a consulta aos povos afetados em um momento ainda anterior a qualquer decisão administrativa.

Com efeito, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada pelo Decreto 5.051/2004, estabelece:

Artigo 6 o

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Chama a atenção o fato de que ao longo de mais de 15 anos (em relação ao Município de Xangri-la) em que o Ministério Público Federal atua aguerridamente e com inquestionável conhecimento técnico para obrigar os Municípios do Litoral Norte a resolverem os graves problemas decorrentes da insuficiência do sistema de esgoto sanitário, em defesa da saúde pública e do próprio meio ambiente, não há notícia de que tenha promovido encontros específicos para esclarecimento das populações tradicionais, nos termos do disposto na Convenção 169 da OIT, tampouco que a FUNAI tenha tido qualquer participação nos procedimentos administrativos que instaurou ou que tenha sido instada a se manifestar sobre as soluções buscadas para a política pública do sistema de esgotamento sanitário, ou que tenha sido informada a respeito dos estudos feitos, mencionados no presente processo. Em todo esse tempo o Ministério Público atua como Poder Público, que estaria, se fosse o caso, obrigado a implementar tais consultas às populações tradicionais, caso entendesse que se tratava de uma política que os afetaria diretamente.

Da mesma forma, não houve qualquer referência à essa necessidade de consulta às comunidades tradicionais ou de participação da FUNAI no Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelos diversos entes envolvidos e nos respectivos aditamentos, todos amplamente discutidos e negociados pelo Ministério Público Federal e Estadual.

No TAC referido foi expressamente consignada como primeira alternativa o compromisso da CORSAN de protocolar estudo na FEPAM, até 31/03/2022, acerca da viabilidade ou não de lançamento de efluentes tratados no chamado “Ponto 3” do Rio Tramandaí, estipulando-se o compromisso da FEPAM de apresentar manifestação oficial sobre a viabilidade ou não para o lançamento do efluente tratado no “Ponto 3” do Rio Tramandaí, no exíguo prazo de até 30 (trinta) dias após o protocolo feito pela CORSAN, demonstrando a urgência das medidas impostas à concessionária e ao órgão ambiental estadual, sem qualquer referência à necessidade de realização de audiências públicas e esclarecimentos às populações indígenas, quilombola e comunidade pesqueira tradicional ou mesmo à necessidade de realização de audiências públicas para o licenciamento. Certamente esse tipo de imposição inviabilizaria o cumprimento do prazo estabelecido para decisão do órgão ambiental, como previsto no TAC.  

Por outro lado, mesmo que se cogite da aplicação analógica da disciplina para o licenciamento ambiental junto ao IBAMA quanto à consulta à FUNAI, conforme a própria informação da Fundação (ev. 1- anexo 10) Ofício nº 3/2025/DPDS/FUNAI, a sua atuação nos processos de licenciamento ambiental é disciplinada pela Portaria Interministerial nº 60/2015 e pela Instrução Normativa Funai nº 02/2015.

A Portaria Interministerial nº 60/2015 estabelece procedimentos administrativos que disciplinam a atuação dos órgãos e entidades da administração pública federal em processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis-IBAMA, dispondo:

Art. 3o No início do procedimento de licenciamento ambiental, o IBAMA deverá, na FCA, solicitar informações do empreendedor sobre possíveis intervenções em terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária.

§ 2o Para fins do disposto no caput, presume-se a intervenção:

I – em terra indígena, quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena, respeitados os limites do Anexo I;

II -em terra quilombola, quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra quilombola ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra quilombola, respeitados os limites do Anexo I;

O anexo 1 dessa Portaria estabelece os empreendimentos e respectivas distâncias para que possam ser considerados como tendo impacto direto na terra indígena ou quilombola, conforme segue:

Além de não estarem previstas obras de saneamento, os empreendimentos referentes a dutos que poderiam ser considerados no presente caso exigem uma distância máxima de 3 km, inferior aquelas verificadas no presente caso, conforme bem demonstrado na manifestação da FEPAM (ev. 8), que conclui:

Assim, considerando o procedimento padrão adotado na FEPAM na presença de Comunidades Tradicionais e as distâncias tanto da ETE quanto do Emissário em relação às Terras Indígenas e Quilombolas, nenhum deles estaria sujeito à consulta dos órgãos intervenientes para solicitação de anuência para emissão das licenças, seja por não haver previsão na Portaria Interministerial para o tipo de empreendimento de saneamento a ser realizado, seja por não estarem em distância menor à prevista na Portaria. Por fim, registra-se que empreendimentos de saneamento básico são considerados essenciais para a qualidade de vida da população humana e teriam baixo impacto ambiental frente aos prejuízos que o esgoto não tratado pode acarretar à saúde pública e ao ambiente.

Quanto à consulta à sociedade, pescadores e Municípios afetados, entendo que no âmbito estadual o Código Florestal em seu artigo 69 antes transcrito estabelece a garantia da realização de audiência pública apenas para os casos em que o órgão ambiental entender necessária a apresentação do EIA e do respectivo RIMA, o que não se verificou no caso concreto, de forma que a consulta pública não se faz necessária, por se tratar de tratar de obra de baixo impacto ambiental e que se destina justamente à evitar a degradação ambiental que a ausência de tratamento de esgoto causa.

Nesse aspecto, em arremate, cito parte das conclusões do Parecer do Professor Paulo Bessa Antunes (evento 10, PARECER8):

A legislação ambiental aplicável, bem como as normativas específicas sobre saneamento básico, confirmam que o licenciamento seguiu os ritos previstos e que não há obrigatoriedade da realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para o empreendimento em questão. Além disso, a participação comunitária foi amplamente garantida por meio de reuniões com representantes da sociedade, órgãos ambientais e municípios afetados, afastando a alegação de falta de consulta pública. Quanto aos povos indígenas como foi amplamente demonstrado, não cabe falar em consulta, haja vista não haver impacto direto sobre terra indígena.

O princípio da precaução, que poderia ser invocado para justificar uma eventual suspensão do projeto, não se aplica ao presente caso, pois os riscos envolvidos são suficientemente conhecidos e foram mitigados através das condicionantes impostas pelo licenciamento ambiental. Pelo contrário, a paralisação da instalação do emissário e da ampliação da Estação de Tratamento de Efluentes poderia gerar impactos ambientais e sociais negativos, comprometendo a universalização do saneamento básico e a melhoria da qualidade da água e da saúde pública na região.

Ademais, a jurisprudência nacional e internacional reconhece que obras de interesse público, especialmente aquelas voltadas ao saneamento básico, devem ser conduzidas dentro de um equilíbrio entre proteção ambiental e desenvolvimento sustentável, não podendo ser obstadas sem uma fundamentação técnica e jurídica robusta.

Por todos os fundamentos acima expostos, em primeira análise não vislumbro a relevância da fundamentação no que se refere à nulidade e/ou necessidade de suspensão da Licença Prévia e de Instalação para Alteração – LPIA n°408/2023, pela qual a FEPAM autorizou a CORSAN a instalar Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), com lançamento previsto no “Ponto 3” do Rio Tramandaí, tampouco a existência de perigo ou risco ao resultado útil do processo para concessão da tutela de urgência postulada, motivo pelo qual a indefiro. 

Audiência. Art. 334 do CPC.

De forma a possibilitar eventual conciliação, designo o dia 15/04/2025, (terça-feira) 14 horas para audiência do art. 334 do CPC.

Citem-se a FEPAM e CORSAN, ressaltando que eventual prazo de defesa só terá início após a eventual ausência de autocomposição, nos termos do art. 335, I, do CPC.

A Secretaria deve expedir os atos necessários para sua realização, intimando as partes. 

Intimem-se a FUNAI e UNIÃO para que manifestem, de forma fundamentada, interesse em integrar a lide e em que condição, no prazo de 10 dias.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5005919-96.2025.4.04.7100/RS

Fonte: TRF 4

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