Alerta Global: Especialista da Organização Pan-Americana da Saúde explica a crise causada pelo aumento da resistência aos antimicrobianos
Em entrevista exclusiva para o site do G20 Brasil, a chefe do Programa de Resistência a Antimicrobianos da Opas, fala sobre o risco progressivo à saúde global causado pelo uso excessivo de antibióticos e como a experiência dos países em desenvolvimento pode impulsionar a resposta global a surtos de doenças como dengue, chikungunya e zika.
Em entrevista exclusiva, a drª Pilar Ramón-Pardo, chefe do Programa de Resistência a Antimicrobianos da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), faz um alerta sobre o aumento progressivo de resistência aos antibióticos em todo o mundo e o risco que já impacta na expectativa de vida das populações.
A resistência aos antimicrobianos foi responsável pela morte de 1,3 milhão de pessoas em todo o mundo em 2019, e os estudos projetam uma redução da expectativa de vida global de 1,8 anos durante a próxima década, se não houver uma resposta sólida à resistência aos antimicrobianos.
Ela também destaca o papel fundamental do Sul Global na resposta internacional a doenças infecciosas e a necessidade de políticas sanitárias comuns entre os países. Ramón-Pardo coordena o planejamento, a programação e a implementação de estratégias regionais para apoiar os países da América Latina e do Caribe no desenvolvimento e expansão de suas respostas nacionais à resistência aos antimicrobianos.
Quando algumas doenças aparecem em países do Hemisfério Norte, a experiência do Sul Global se torna vital. Através de intercâmbios de especialistas e discussões científicas, esses países podem compartilhar soluções já implementadas, ajudando no combate à dengue, chikungunya e zika, onde a expertise em diagnóstico, tratamento e manejo de pacientes graves se mostrou importante internacionalmente.
A drª Pilar participou da mesa “Acelerar o progresso mundial para enfrentar as doenças antimicrobianas por meio de uma abordagem de Uma Saúde”, organizado pelo Ministério da Saúde do Brasil, a Organização Mundial da Saúde e o Grupo de Líderes Mundiais sobre Resistência Microbiana. O evento aconteceu no primeiro dia da 4ª Reunião do Grupo de Trabalho sobre Saúde, em 1º de setembro de 2024, na cidade de Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, que sediou pela primeira vez uma reunião do G20.
Por que a resistência aos antimicrobianos é considerada uma ameaça global?
Devido ao impacto cada vez mais evidente que tem no número de vidas humanas afetadas e na carga de doenças para a saúde pública. Na região das Américas, estima-se que aproximadamente 569 mil pessoas morreram por infecções associadas à resistência aos antimicrobianos em 2019.
Estamos entendendo melhor seu impacto na mortalidade e na morbidade, não só por doenças infecciosas comuns, como infecções urinárias, diarreias, infecções respiratórias, mas também por outras doenças transmissíveis, como tuberculose, HIV/AIDS e malária. Os avanços obtidos até agora no controle dessas doenças estão em risco devido à resistência aos antimicrobianos. Desde uma perspectiva de saúde pública, isso é crítico, mas não podemos esquecer o impacto que também tem na economia e no desenvolvimento.
A resistência aos antimicrobianos está vinculada ao alcance de vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, não apenas o número 3, relacionado à saúde e ao desenvolvimento econômico. Contribui para o aumento da pobreza e tem um impacto significativo no Produto Interno Bruto (PIB) dos países. Esse impacto não é uniforme, já que afeta mais os países de renda média e baixa do que aqueles com maiores recursos. Também afeta a pobreza em nível familiar, já que as pessoas que contraem uma infecção resistente aos antimicrobianos terão que incorrer em maiores gastos para receber o tratamento necessário. Por todas essas razões, é considerada uma prioridade global de saúde pública, com impacto significativo na economia.
Por que a resistência aos antimicrobianos é um assunto relevante para o G20?
Eu diria que o G20 foi um dos primeiros fóruns a tomar consciência desse problema, já que, a longo prazo, afetará tanto suas economias quanto as economias globais. A RAM (Resistência aos Antimicrobianos) tem múltiplas dimensões: não apenas seu impacto na saúde humana, mas também na economia, no desenvolvimento, na segurança alimentar e na produção de alimentos. Por exemplo, um dos desafios é o impacto que terá na produção de alimentos. Atualmente, o mundo enfrenta o desafio de alimentar uma população em crescimento, que se aproxima de 8 bilhões de pessoas, o que exige um suprimento adequado de proteínas.
Até agora, os sistemas de produção, especialmente para algumas proteínas de origem animal, como o frango ou os produtos derivados do porco, têm dependido do uso de antimicrobianos como promotores de crescimento. No entanto, há evidências que indicam que isso contribui para a resistência aos antimicrobianos, não apenas na cadeia alimentar, mas também no meio ambiente, por meio dos resíduos dessas fazendas e pisciculturas, que podem contaminar as águas. Esse impacto ambiental e na resistência aos antimicrobianos é relevante e, a longo prazo, pode ocasionar perdas econômicas e uma diminuição na produção.
Portanto, os países e os grandes produtores de alimentos estão inovando e buscando formas de manter a produção sem utilizar antimicrobianos, melhorando as práticas de higiene, vacinação e práticas agropecuárias. Um exemplo disso é o Brasil, que está trabalhando de maneira decidida com o Ministério da Agricultura na implementação dessas estratégias para manter a produção alimentar sem depender de antimicrobianos.
Até agora, os sistemas de produção, especialmente para algumas proteínas de origem animal, como o frango ou os produtos derivados do porco, têm dependido do uso de antimicrobianos como promotores de crescimento. No entanto, há evidências que indicam que isso contribui para a resistência aos antimicrobianos, não apenas na cadeia alimentar, mas também no meio ambiente, por meio dos resíduos dessas fazendas e pisciculturas, que podem contaminar as águas. Esse impacto ambiental e na resistência aos antimicrobianos é relevante e, a longo prazo, pode ocasionar perdas econômicas e uma diminuição na produção.
Qual a importância da reunião do Grupo de Trabalho da Saúde do G20?
É importante ressaltar que, na reunião em Natal, é a primeira vez que três grandes temas são abordados juntos: mudança climática, resistência aos antimicrobianos e Uma Só Saúde (uma abordagem integrada que reconhece a conexão entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental). Até agora, haviam sido analisados separadamente, mas é a primeira vez que se há uma visão holística, considerando as implicações nesses três importantes âmbitos. Mudança climática e resistência aos antimicrobianos têm um paralelismo significativo, já que as mudanças que ambos provocam passam despercebidas dia a dia; não as percebemos imediatamente em nossos sistemas de saúde, nem em nossas temperaturas, nem na água ou no ambiente. No entanto, a longo prazo, quando esses efeitos se acumulam, se convertem em epidemias silenciosas. É crucial poder visualizá-las e analisá-las de maneira conjunta, já que também interagem entre si.
Além disso, o G20 não é o único fórum de alto nível em que esse tema será discutido. Também na Assembleia Geral das Nações Unidas, este ano, será realizada uma Declaração de Alto Nível sobre RAM e, posteriormente, em novembro, será realizada a 4ª reunião ministerial de alto nível sobre RAM, na Arábia Saudita. Em 2024 é uma oportunidade única, que não podemos deixar passar, para alcançar uma resposta mundial coordenada frente à RAM.
Mudança climática e resistência aos antimicrobianos têm um paralelismo significativo, já que as mudanças que ambos provocam passam despercebidas dia a dia; não as percebemos imediatamente em nossos sistemas de saúde, nem em nossas temperaturas, nem na água ou no ambiente. No entanto, a longo prazo, quando esses efeitos se acumulam, se convertem em epidemias silenciosas. É crucial poder visualizá-las e analisá-las de maneira conjunta, já que também interagem entre si.
Qual é a relação entre a mudança climática e a resistência aos antimicrobianos?
O impacto da mudança climática na resistência aos antimicrobianos é um tema que ganhou atenção nos últimos anos. Obtivemos evidências recentes de como a mudança climática pode afetar a resistência aos antimicrobianos. A mudança climática altera os ecossistemas e a transmissão de bactérias no ambiente, nos animais e nos seres humanos, modificando as temperaturas, o que influencia o crescimento ou a supressão de bactérias em determinados momentos. Isso afeta o surgimento de doenças e a resistência que elas desenvolvem com o uso de antimicrobianos. Além disso, a contaminação causada pela poluição também impacta no aumento de bactérias resistentes. Portanto, há aspectos comuns que impactam tanto a mudança climática quanto a resistência aos antimicrobianos.
Como você vê a proposta de “Uma Só Saúde” neste contexto?
One Health (Uma Só Saúde, na versão em inglês) proporciona um quadro integral para analisar e atuar em saúde pública. É o paradigma a partir do qual se deve analisar tanto a crise climática quanto a resistência aos antimicrobianos. Através do One Health, podemos visualizar, materializar e compreender de maneira precoce esses impactos. Isso abrange a vida animal, silvestre, ecossistemas, vida aquática, agricultura, produção agropecuária e zoonoses, doenças que se transmitem de animais para humanos. As políticas implementadas no âmbito de One Health terão um efeito significativo para minimizar o impacto tanto na resistência aos antimicrobianos quanto na mudança climática. Ou seja, precisamos da abordagem de One Health para diminuir esses impactos na saúde.
Como a gestão nas Américas pode servir de exemplo na resposta à resistência antimicrobiana que possa ser compartilhada com os demais membros do G20?
Existem vários exemplos de boas práticas na gestão da RAM, especialmente no contexto de One Health e seu impacto no meio ambiente. Canadá e Estados Unidos dispõem de sistemas de vigilância integrada que monitoram o impacto da resistência aos antimicrobianos na produção agropecuária e nas infecções transmitidas por alimentos. Os países do Cone Sul também estão avançando na análise integrada de informações para entender melhor a relação entre o meio ambiente, os animais e os seres humanos. O Paraguai foi pioneiro em realizar um estudo sobre o impacto da resistência aos antimicrobianos no meio ambiente em sua capital, Assunção, um feito crucial para implementar melhorias nas condições ambientais.
A colistina, um antibiótico de último recurso, está proibida na maioria dos países da América Latina para uso veterinário, o que é um exemplo de como as políticas regulatórias impactam na contenção da resistência aos antimicrobianos.
Nesse contexto, a OPAS vem apoiando os países, junto com outras organizações parceiras, a monitorar a presença de bactérias resistentes nos animais e no meio ambiente, além da coordenação entre os setores de saúde e agricultura. A colaboração entre esses setores é um exemplo concreto de como os países das Américas estão implementando One Health. Outra área em que os países da região têm demonstrado um progresso significativo é o desenvolvimento de planos de ação nacionais contra a resistência aos antimicrobianos. Atualmente, 30 países da região têm planos nacionais em execução. As lições aprendidas e as melhores práticas desses exemplos podem ser úteis para os países membros do G20.
Quais contribuições o Sul Global pode fazer nesse processo de colaboração?
Nos países do Sul Global, os sistemas de saúde e os profissionais de saúde possuem o conhecimento necessário para abordar, tratar, prevenir e controlar essas doenças infecciosas. Muitas vezes, quando essas doenças emergem nos países do Hemisfério Norte, a experiência do Sul Global tem sido fundamental para compartilhar conhecimentos de maneira generosa e solidária. Estão acontecendo intercâmbios de especialistas e discussões científicas onde soluções já conhecidas e implementadas no Sul Global foram compartilhadas. Um exemplo é o manejo de doenças transmitidas por vetores, como dengue, chikungunya e zika, onde a experiência em diagnóstico, tratamento e manejo de pacientes graves tem sido vital para outros contextos.
* Conteúdo produzido em colaboração com a Organização Pan-Americana da Saúde
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