Saúde E Bem Estar – Sangue poderá ser vendido? Doador será remunerado? Entenda a ‘PEC do Plasma’

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Ministério da Saúde e Fiocruz adotam posição contrária à proposta na véspera da votação

Às vésperas da votação da chamada “PEC do Plasma” na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o Ministério da Saúde pressiona contra o texto. O secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, Carlos Gadelha, afirmou que, caso seja aprovada, a medida causará um “apagão” nos bancos de sangue do país. Segundo ele, a proposta pode impactar também na qualidade do sangue disponível e expor o sistema de saúde à dependência externa.

Proposta pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a PEC quer permitir a coleta e o processamento de plasma humano pela iniciativa privada, o que atualmente é vedado pela Constituição. A medida abriria brecha, por exemplo, para comercialização de sangue e remuneração da doação. A partir do plasma, que é a parte líquida do sangue, podem ser produzidos hemoderivados, como medicamentos, e desenvolvidas novas tecnologias de tratamento.

Um dos principais argumentos utilizados pelo autor da PEC é de que atualmente a grande parte do plasma é desperdiçada no Brasil. A relatora da proposta, Daniella Ribeiro (PSD-PB), apresentou parecer a favor do texto. A expectativa é de que o texto seja votado no Senado nesta quarta-feira (4), porém, há outros 14 itens na pauta.

Na visão de aliados do governo, a defesa enfática por parte do Ministério da Saúde tardou a chegar. A ausência da ministra Nísia Trindade no debate incomodou membros da base aliada do governo no Senado que se posicionam contra a proposta.

“A situação pode ser dramática para a população, porque existe uma tradição de doação altruísta de sangue. São 3,1 milhões de doações por ano, isso significa que existe uma cultura de solidariedade. Então, há um risco de ter um apagão na oferta de sangue, porque vai quebrar (essa cultura), semelhante ao que foi feito com a vacina. Quando se gerou uma desconfiança, reduziu a vacinação. Ao invés de resolver a oferta, pode secar a fonte”, argumentou o secretário Carlos Gadelha.

O secretário argumenta ainda que a PEC poderá reduzir a qualidade do sangue circulado no país devido à ausência de rigor na coleta. Atualmente, a pessoa que está doando sangue é submetida a um questionário para detecção de possíveis riscos, uma vez que há janelas imunológicas que não permitem a detecção de determinados contaminantes a depender de quando a doação é realizada.

Caso haja remuneração para os doadores, a tendência, na visão do secretário é de que muitas pessoas acabem omitindo determinadas informações na hora da entrevista para conseguir levar a coleta a cabo e receber por ela.

Processamento do plasma

De acordo com o Ministério da Saúde, hoje, 30% dos hemoderivados disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) são oriundos do plasma doado no Brasil e administrado pela Hemobrás, que atualmente é a empresa do Estado brasileiro responsável por processar o plasma. A perspectiva é de que esse índice suba para 80% até 2025. Isso porque a Hemobrás concluirá as obras de uma planta destinada ao processamento do plasma e produção desses insumos.

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em agosto pelo governo federal, prevê investimento de R$ 895 milhões na Hemobrás e na qualificação da rede brasileira de sangue. Na ocasião, em nota publicada pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), o governo afirmou que “o pleno funcionamento da Hemobrás é um passo fundamental para o Brasil reduzir a sua dependência”, já que o País gasta mais de R$ 1,5 bilhão por ano na importação de medicamentos para tratamento de pacientes hemofílicos e com outras doenças relacionadas à coagulação do sangue.

Além do Ministério da Saúde, Fiocruz também se posiciona contra a PEC

Nesta quarta-feira o Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também se apresentou como oposição. Em comunicado, a fundação de pesquisa disse que “a aprovação da PEC pode causar sérios riscos à Rede de Serviços Hemoterápicos do Brasil e ao Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados. A comercialização de plasma pode trazer impacto negativo nas doações voluntárias de sangue, pois há estudos que sugerem que, quando as doações são remuneradas, as pessoas podem ser menos propensas a doar por motivos altruístas”.

Além disso, a segundo a Fiocruz, a prática também traz risco para a qualidade e segurança do plasma e pode aumentar as desigualdes sociais do país. “Estudos sugerem, por exemplo, que a comercialização pode atrair pessoas em situações financeiras difíceis, dispostas a vender seu plasma, além de facilitar o acesso a pessoas que podem pagar, em detrimento daquelas que não têm condições”, acrescentou a fundação.

Atualmente, o plasma doado no país atende exclusivamente às necessidades da população brasileira e traz retorno na forma de acesso a medicamentos. “A comercialização do plasma poderia suscitar ainda movimentos de exportação, o que prejudicaria os brasileiros, deixando o país vulnerável diante de emergências sanitárias”, informou a Fiocruz, que destaca que hoje o Sistema Único de Saúde (SUS) presta atendimento a 100% dos pacientes que necessitam de hemoderivados.

“Para o aprimoramento da política nacional de sangue, referência mundial pela sua excelência e capacidade de atender a todos os brasileiros, a Hemobrás precisa ser fortalecida para que possa produzir no máximo da sua capacidade. É importante também fortalecer a Coordenação-Geral de Sangue e de Hemoderivados do Ministério da Saúde, encarregada da execução da política de atenção hemoterápica e hematológica que regula da coleta ao processamento e a distribuição de sangue e hemoderivados no Brasil”, finalizou a Fiocruz.

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Fonte: Agência Brasil