PRF resgata mais trabalhadores em situação análoga a escravidão em Bento Gonçalves


As pessoas resgatadas estavam nos parreirais da cidade

A Polícia Rodoviária Federal resgatou mais trabalhadores em situação análoga a escravidão em Bento Gonçalves. As pessoas resgatadas estavam nos parreirais da cidade. Outras equipes da PRF estão realizando a escolta, do alojamento para o abrigo disponibilizado pela prefeitura municipal, no Ginásio Municipal Darcy Pozza.

Essa é a continuação da operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, que resgatou 150 homens que estavam em condições semelhantes à escravidão na noite dessa quarta-feira. Os trabalhadores atuavam na colheita da uva e abate de frangos. Conforme a PRF, o alojamento em que eles eram mantidos foi descoberto após a denúncia de três homens que tinham fugido na unidade operacional da instituição em Caxias do Sul.

A partir daí, a corporação acionou o MTE e a PF para se deslocarem ao endereço indicado e confirmar a informação dos trabalhadores. Além de serem mantidos em condição análoga à escravidão, os homens, a maioria proveniente da Bahia, tinham atrasos nos pagamentos dos salários e relataram sofrer violência física, passar por longas jornadas de trabalho e consumir alimentos estragados. Eles também disseram que eram coagidos a permanecer no local sob pena de pagamento de uma multa por quebra do contrato de trabalho.

O responsável pela empresa, que mantinha os trabalhadores nestas condições, foi preso e encaminhado para a Polícia Federal em Caxias do Sul. Ele tem 45 anos de idade e é natural de Valente, na Bahia. A empresa possui contratos com diversas vinícolas da região. O MTE irá analisar individualmente os direitos trabalhistas de cada trabalhador para a buscar a devida compensação.

Vinícolas podem ter de assumir verbas rescisórias de trabalhadores que viviam em situação análoga à escravidão em Bento

Empresas da Serra afirmam que desconheciam irregularidades e que estão à disposição para colaborar com as investigações

O gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vanius Corte, afirmou que as vinícolas Aurora, Salton e a Cooperativa Garibaldi podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas dos homens que viviam em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves. A informação foi dada em entrevista ao programa Timeline da Rádio Gaúcha. Em nota, as empresas afirmam que desconheciam as irregularidades e sempre atuaram dentro da lei (leia mais abaixo). 

A reportagem apurou que os trabalhadores eram ligados à empresa terceirizada Oliveira & Santana, que fornecia a mão de obra para produtores para a colheita da uva e também para as três vinícolas, para atuar no descarregamento de uva pós-colheita. Um homem, 45 anos, natural de Valente (BA) e responsável pelas contratações dos trabalhadores, foi preso na operação. 

As despesas das verbas trabalhistas, segundo Corte, podem ser assumidas pelas três empresas da Serra caso o contratante original não faça a quitação. Segundo o gerente regional do MTE, isso ocorre porque as vinícolas têm responsabilidade subsidiária em relação aos trabalhadores que prestaram serviços, mesmo sendo contratados por terceiros. Ou seja, quando o devedor principal não pode pagar totalmente o débito, a despesa é arcada por quem contou com essa mão de obra.  No caso, a responsabilização seria financeira, mas não haverá processo criminal contra as vinícolas.

— O primeiro responsável é o atravessador. Se ele não paga, quem recebeu esse serviço será responsabilizado porque essas pessoas prestaram serviços para eles, alguém tem que receber — frisou Vanius.

O gerente do MTE informou que já conversou com o representante de uma dessas vinícolas que, por sua vez, disse ter consciência dessa possibilidade.

— Eu até conversei com o responsável de uma dessas vinícolas. Ele disse que fez a contratação desse atravessador (homem preso). Mas não imaginava a situação, e agora eles sabem que podem ser responsabilizados por essas pessoas que trabalharam para eles. Então, alguém vai ter que pagar, se o atravessador não pagar, eles estão preparados para pagar — destaca Corte.

Corte também explica que as empresas foram incluídas na investigação, pois têm a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada. Ele citou que  produtores rurais que têm relação com o agenciador serão investigados e que é preciso ficar atento quando a mão de obra for ofertada mais barata do que de costume.

— Tem que ter controle eficiente. Quem contrata tem que ter esses cuidados, não cair nessa conversa. Se tem gente (mão de obra) barata, alguma coisa errada tem. 

Por outro lado, Corte diz que se parte do pressuposto que não houve conivência.

— Um responsável (de vinícola)  já vinha sentindo, já vinham discutindo internamente em rescindir contrato porque eles contratam outras empresas e notavam uma diferença de tratamento entre os trabalhadores.

Situações semelhantes

Corte destacou na entrevista que esta não foi a única situação irregular na safra de colheita de uva, da região. Contudo é a mais grave, porque o número de pessoas resgatadas pode chegar a 180. Os trabalhadores vieram para a Serra, segundo o MTE, com a promessa de ganhar até R$ 3 mil, não ter despesas e ganhar alimentação, alojamento e demais benefícios trabalhistas. Porém, no trajeto da Bahia até o Rio Grande do Sul já tiveram que pagar o próprio alimento, sendo anotado os valores num caderno para posterior desconto no salário, o que ia aumentando diariamente a dívida. Além disso, há denúncias de agressões e de fornecimento de comida estragada durante a estadia na Serra. 

O alojamento onde os trabalhadores estavam, uma pousada na Rua Fortunato João Rizzardo, no bairro Borgo, também seria, segundo o delegado da Polícia Federal Claudino de Oliveira, do homem preso. O local foi interditado por apresentar problemas de segurança em instalações elétricas, superlotação e questões de higiene. 

Os trabalhadores ficarão em um alojamento improvisado no ginásio de esportes da prefeitura de Bento Gonçalves, até que os valores sejam pagos e eles possam retornar para as cidades de origem.

O que dizem as vinícolas

O que diz a Aurora:

“NOTA À IMPRENSA

A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão. 

No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas. 

Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta.

A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados.

A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.

A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.” 

O que diz a Salton:

“A empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.”

O que diz a Cooperativa Garibaldi:

“Nota à imprensa

Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.

Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia. 

Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.

A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.

Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.

Fonte: Gaucha ZH e Jornal Correio do Povo

Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”