Porto Alegre – Casal que trabalhou na construção do sistema de proteção contra cheias aponta: “faltou manutenção”


Lígia Bergamaschi Botta e Décio Botta acompanharam construção do muro e casas de bombas. Eles apontam que o sistema é moderno e eficiente se estiver funcionando.

No final da década de 1960, a recém-formada em Arquitetura e Urbanismo Lígia Bergamaschi Botta passou a trabalhar no setor de Estrutura Urbana da Prefeitura de Porto Alegre. Na mesma época, seu marido, o engenheiro Décio Botta, trabalhava para o então Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS). Se o acaso em fazê-los um casal já não fosse suficiente, quis o destino que ambos acompanhassem de perto a construção do conjunto de estruturas que hoje chamamos de Sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre.

Lígia recorda que toda a estrutura já havia sido pensada anos antes, em função da grande enchente de 1941. Um estudo, feito por um grupo de técnicos alemães e também gaúchos, ficou pronto em 1966 e foi entregue ao setor que ela trabalhava na prefeitura, onde atuou por cerca de três décadas. “O estudo era muito valorizado. Ele até previa que um episódio parecido aconteceria entre 80 e 100 anos e que deveríamos ficar protegidos em uma cota de até 6 metros. As obras de aterro e os taludes nas áreas inundáveis já tinham sido feitas pelo DNOS. Quando chegou na avenida Mauá, não havia espaços para colocar um talude. Então a sugestão que deram é que deveria ter um muro”, citou.

A arquiteta guarda com carinho uma imagem que mostra que, no projeto inicial, acima do muro e da própria avenida Mauá, passaria uma outra via elevada para veículos, que serviria como uma continuação da avenida Castelo Branco. “Então as fundações do muro foram feitas já prevendo a carga dessa avenida que não foi construída. Em baixo da terra, o muro tem 6 metros de fundação. É uma estrutura muito bem construída e bem calculada para comportar a via”, completou.

Lígia afirma que é por conta desta estrutura reforçada que o muro segue aguentando a pressão da água do Guaíba, que ficou por dias com o nível acima dos 5 metros, além dos anos de falta de manutenção. Ela também criticou as discussões sobre a retirada ou não da estrutura no Cais Mauá. “O muro não é um enfeite. É uma obra de prevenção de enchentes. Se fosse retirado, todo esse sistema de taludes e casas de bombas seria jogado fora, pois não faria diferença e entraria água pelo cais. Tanto é que o muro protegeu. Essa água que entrou não teve nada a ver com ele. Foi resultado da falta de condições nas casas de bombas”, apontou a arquiteta.

Se Lígia possui uma relação muito próxima com o muro, seu marido, o engenheiro Décio Botta, trabalhou na construção das 23 casas de bombas que fazem parte do sistema. Segundo ele, as estruturas foram muito bem projetadas e bem distribuídas, levando em consideração as necessidades de cada área, tendo em vista a topografia da capital.

Entretanto, ele ressalta que, por motivos diversos, o que se viu nos últimos anos foi uma falta de incremento adequado nas estruturas, como motores mais potentes para absorver a água de áreas de maior impermeabilização da cidade.

“E essa falta de manutenção acabou resultando no retorno da água. Tanto é que só quatro ficaram funcionando. Com manutenção, a história poderia ser diferente. O sistema só falhou por falta de incremento, por não ter bombas mais potentes pela falta de manutenção das bombas existentes”, explicou o engenheiro.

“É um sistema moderno e eficiente se estiver funcionando”

Outro ponto que Décio Botta reforçou é a robustez do sistema construído na capital, principalmente se comparado com outras estruturas existentes no mundo. “Porto Alegre é uma das poucas cidades do Brasil com um sistema como esse. Realmente faltou incremento e ações de conservação, pois é um sistema moderno e eficiente se estiver funcionando”, completou Botta.

A esposa e arquiteta concorda com a afirmação do marido. “É um sistema moderno, só que sofre com a falta de manutenção. Imagina se os cuidados com o sistema de Amsterdã fossem assim. As cidades dos Países Baixos ficariam inundadas. O nosso sistema foi muito bem planejado e executado. Foram equipes com vasta experiência na Europa que o projetaram. Só faltou manutenção”, ressaltou Lígia.

Planejamento urbano piorou inundação em Porto Alegre

Além de ex-servidora da prefeitura, Lígia também foi professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Em sua análise, ela aponta ainda que a capital gaúcha está passando por um processo de falta de planejamento urbano, que acabou piorando as condições da enchente histórica das últimas semanas.

“Porto Alegre vem sendo ocupada com uma densidade muito alta, com um grande uso do solo, que está ficando impermeável. Quando a água cai, ela vai muito rápido para as áreas baixas. Nossa estrutura está sobrecarregada. As redes não têm capacidade e todo esse contexto vai piorando cada vez mais a conjuntura da cidade. Isso tudo contribuiu com a forma como a enchente atacou a capital. Temos que nos conscientizar que o plano diretor precisa estar voltado para o bem-estar da população. Esse é o grande mote do planejamento urbano”, finalizou.

Centro de POA- Foto Ricardo Giusti CP/Reprodução TV Nativoos

Fonte: Jornal Correio do Povo

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