Nativoos Pets – Pets consolidam seu espaço nas casas brasileiras, ajudando famílias a ter mais afeto, compromisso e parceria

Danielle e Matteo com Pandora e Minerva Anselmo Cunha / Agencia RBS/reprodução TV Nativoos

Para além de sentimentos, números mostram que amigos não-humanos auxiliam no bem-estar e na saúde mental

Mesmo depois do nascimento de Matteo, hoje com sete meses, as duas cadelas da raça husky, Pandora e Minerva, não perderam o título de filhas da Danielle Dalbosco, publicitária de 36 anos. É dentro de um apartamento de 54 metros quadrados, em Porto Alegre, que ela comanda a dinâmica entre humanos e não-humanos, num arranjo onde os animais são considerados como membros da família e seguindo uma rotina organizada para que haja amor e comprometimento com as necessidades tanto do recém-chegado quanto dos animais.

— Na gravidez, falavam “agora você vai ver o que é amor de mãe”. Mas acredito que “mãe de pet” é mãe, sim, e reforcei a afirmação quando tive o Matteo. Há preocupação, dedicação, responsabilidade, só que em níveis diferentes, porque um cachorro se cria mais sozinho do que um bebê. Assim como amo de formas diferentes meu pai, minhas amigas, amo meus bichos diferente do que amo meu filho. Mas não gosto de colocar numa balança. Amor é amor — afirma Danielle.

O espaço cada vez maior que os pets estão cultivando no coração dos tutores e dentro dos arranjos familiares é uma realidade que se mostra nos lares brasileiros, conforme a pesquisa Radar Pet, um levantamento de tendências elaborado a cada dois anos pela Comissão de Animais de Companhia (Comac) do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan). Na edição mais recente, de 2021, a pesquisa perguntou a aproximadamente 800 tutores de que forma eles enxergam seus pets: como amigo, companhia, membro da família, filho, assistência ou bicho de estimação. 

A descoberta foi que, na comparação com 2019, cresceram os percentuais de tutores que veem seus animais como “filhos” ou “membros da família”, ao mesmo tempo em que caiu expressivamente o número de pessoas que os consideram apenas como “bichos de estimação”: de 23% para 7% entre os donos de cães, e de 29% para 13% entre os donos de gatos.

— As pessoas estão cada vez mais considerando o pet como membro da família e como filho. Hoje, ele realmente é da família, vive na -casa, dorme na cama, não é mais animal de quintal. Há uma preocupação muito grande com o bem-estar e a saúde dos pets, tanto que a pesquisa fala ainda que 95% dos entrevistados consideram a saúde dos animais tão importante quanto a da própria família — pontua a veterinária Andrea Castro, diretora da Comac.

A conexão está mudando a olhos vistos e um dos fatores que tem contribuído para isso é a urbanização. Segundo a cientista social Kênia Gaedtke, doutora em sociologia política pela UFSC, professora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e professora convidada do curso de pós-graduação Animais e Sociedade da Universidade de Lisboa, quando os pets vêm para dentro de casa, seu papel na vida dos humanos se modifica também:

— Num cenário rural, cão ficava lá fora, cuidando do território, recebendo restos de alimentos, e gato ficava cuidando dos cilos, ajudava contendo a população de roedores, funções pragmáticas. Quando a gente vai vindo mais para as cidades, a gente vai estabelecendo uma nova forma de se relacionar com eles.

Dar festa de aniversário, levar à creche, chamar de filho… o rol de coisas que os amantes dos pets fazem parece só aumentar com o passar dos anos, e tamanha dedicação tende a passar a impressão de que os humanos hoje em dia amam mais seus cães e gatos do que antigamente. No entanto, por conta das suas pesquisas na área, Kênia defende que essa dedicação nem sempre é por conta unicamente de um “amor puro”. Isso porque, em uma sociedade capitalista e de consumo, os pets também acabam servindo como elemento de distinção dos humanos.

— A relação muda, mas não quer dizer necessariamente que haja mais amor do que existia antes. Existe uma vinculação entre o cuidado com os pets e a sociedade de consumo e espetáculo em que vivemos, onde importa a raça do meu animal, a ração que dou, a creche onde levo, de que forma o trato. Tudo isso vai me construindo como persona, os animais vão nos ajudar a nos definir “que tipo de gente eu sou” — explica a pesquisadora.

Quem ganha?

Assim como os pets têm a ganhar em termos de carinho, alimentação de qualidade e cuidados com médicos para uma vida mais longa, os seres humanos que dividem seu teto com um bichinho também tiram uma série de benefícios desse convívio. De acordo com a psicóloga Denise Cápua Corrêa, do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI – Porto Alegre), os principais ganhos diretos e indiretos que a ciência tem demonstrado são a redução dos níveis de estresse, cortisol, triglicerídeos, pressão sanguínea, além do auxílio em quadros de depressão e outras questões psíquicas. 

E os animais de companhia também podem ser excelentes facilitadores de processos de socialização, algo que quem tem ou já teve pet sabe muito bem: na hora do passeio, volta e meia aparece um vizinho para conversar, um desconhecido puxa assunto, uma criança se aproxima querendo fazer carinho no animal. Com um pet, fica mais difícil se sentir só.

— Eles trazem afeto de forma incondicional, sem cobranças, julgamento ou crítica. Aconteça o que acontecer, eles estão disponíveis para nós e, se nos percebem tristes ou preocupados, ficam ao nosso lado. A demonstração de afeto é constante, e o benefício vem muito dessa entrega — afirma Denise.

A engenheira de produção Ana Júlia Viana Ayres, 27 anos, não sabia que precisava de um pet até resolver adotar a dupla de gatinhos Milka e Twix, em setembro do ano passado, depois de bastante incentivo do namorado, o empresário Lucas Brandt. Ela, que já tinha até arrancado as telas das janelas do novo apê argumentando que “nunca vamos ter animais”, viu sua vida mudar com a chegada dos gatos, a ponto de se tornar a pessoa que diz “não imagino mais minha vida sem eles”. 

A dupla felina, os miados e as roçadinhas nos pés se tornaram seus companheiros diários no trabalho em home office. O companheirismo é tanto que o casal teve que investir em uma cama queen size, capaz de acomodar a família toda.

— Foi uma mega mudança no quesito estresse e ansiedade. Não lembro de ter tido crises depois de adotá-los. E parece que sempre tenho um assunto, uma foto pra mandar para os amigos. Às vezes, em um dia em que não sei bem o que fazer, acho que poderia ficar o dia inteiro com eles no colo. Embora tivesse aquela ideia estigmatizante de que gato não dá carinho, só quer saber de comida, os nossos são muito carinhosos, um grude — afirma Ana Júlia.

Do ponto de vista psicológico, considerar o pet membro da família é saudável e só se torna um problema em casos extremos, quando a relação entre pessoas e animais inviabiliza outras questões importantes da vida do humano, conforme explica a psicóloga Denise. Alguns exemplos são os casos em que o foco e a dedicação possivelmente excessivos ao animal acabam impactando nos relacionamentos do tutor com membros da sua família, ocasiona brigas frequentes com o cônjuge e quando o humano se isola, evitando contato com outras pessoas para ficar com o pet, ao estilo “confio mais no meu bicho do que em gente”.

— Os animais de companhia passaram a ser reconhecidos como filhos, netos, afilhados e não podemos dizer que isso é um problema, de modo geral. Pode haver casos que necessitam de maior atenção e possível intervenção de um especialista, como, por exemplo, quando a pessoa deixa de cumprir com responsabilidades ou abandona sua vida social por conta do bichinho. Há que se tomar o cuidado de considerar o lado do animalzinho também. Humanizá-los ao ponto de descaracterizá-los e não permitir que sejam o que são na sua essência também não é benéfico para eles — defende a psicóloga Denise Cápua Corrêa.

Apesar do ambiente um tanto “nutella” onde moram as duas cadelas husky, um apartamento pequeno e bem-decorado na Capital, a publicitária Danielle relata que se esforça para preservar a natureza mais “primitiva” característica dessa raça, que é muito próxima dos lobos. E faz isso oferecendo desde sempre uma alimentação à base de carne, vísceras e ossos – com orientação nutricional da veterinária –, mantendo uma rotina de pelo menos dois passeios por dia e fazendo trilhas sempre que possível, para que as cadelas de cinco e sete anos consigam gastar energia.

— Elas são o meu elo com a natureza. Apesar de Pandora e Minerva morarem em apartamento, terem acesso à cama, poderem subir no sofá, elas são tratadas como bichos, porque eu acredito muito nisso, que elas são animais e merecem ter a sua natureza respeitada — afirma.

Quem vê o tamanho e a imponência das duas huskies na comparação com o rostinho sorridente com bochechas fofas do bebê Matteo talvez se questione se o arranjo da família de Danielle é uma boa ideia. Mas Pandora e Minerva são um sonho de infância realizado para a publicitária e chegaram ao lar muito antes do pequeno, portanto, ela explica que não havia outra saída senão introduzir o pequeno à dinâmica já estabelecida ali. É desafiador, mas tem valido a pena, garante.

Durante a gestação, as duas já deram sinais de que a família teria liga. Deitavam-se pertinho da barriga de Danielle, estavam sempre em busca de contato físico. Quando o bebê chegou e foi sendo apresentado às huskies, as coisas naturalmente foram se encaixando: pouco a pouco, as cachorras de mais de 30 quilos aprenderam que o bebê é um ser frágil, que não dá pra pular em cima dele, colocar a patinha ou lambê-lo. E gradualmente Matteo também vai aprendendo que não é para puxar o pelo ou se jogar em cima dos animais.

— Eu cuido essa interação sempre, nunca deixo ele sozinho com elas. Claro que dá medo de se sentar com um recém-nascido no chão, com os cachorros junto, mas priorizei isso porque entendi que ele estava chegando numa família que já estava constituída, então não daria para repentinamente torná-lo o centro de tudo. Aos poucos fomos construindo essa relação e, hoje, ao invés delas trazerem o brinquedo correndo, se atropelando, trazem devagar e colocam na frente do bebê, para que ele pegue e jogue para elas. Elas respeitam o espaço físico dele — afirma Danielle.

Além do afeto que os pets costumam dedicar aos humanos de todas as idades, de acordo com a psicóloga Denise Cápua Corrêa, ter pets em casa pode ser benéfico às crianças na medida em que podem auxiliar os pequenos a estruturar rotinas e a assumir responsabilidades proporcionais a sua faixa etária:

— Eles apreendem que é necessário dar atenção, podem cuidar da alimentação e até da higiene do bicho. Podem auxiliar em momentos difíceis, como durante o atravessamento de um luto.

Bichos e crianças

Quando perguntadas de que forma a questão “ter filhos” está sendo impactada pela questão “ter pets”, as respostas das fontes desta matéria trouxeram fatores diversos, mostrando que o tema é complexo. Por um, lado, vê-se que o Brasil acompanha a tendência mundial de redução no número de filhos, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): em 2021, o país teve o menor número de nascimentos desde 1974, ano em que o instituto começou a computar esses dados. Junto disso, lembra a cientista política Kênia Gaedtke, já existem trabalhos que fazem uma relação entre o movimento “child free” – que defende publicamente o “não ter filhos” – com um aumento da intensidade da relação entre os humanos e os animais.

— Existe sim uma relação com a diminuição do número de filhos e também com a decisão de retardar a decisão de ter filhos, possivelmente para tê-los numa idade mais avançada. Todos esses fenômenos acontecem, mas não podemos descartar que existe também um público grande de pessoas que têm, no imaginário, o pet como a companhia para a criança.

Corroborando com a fala da pesquisadora, na pesquisa Radar Pet, as casas onde moram filhos aparecem como o principal perfil de lar que opta por ter pets. Dentre os lares que têm cães, 65% são famílias com filhos, contra 21% de casais sem filhos e 9% de casas com pessoas morando sozinhas. Já no caso dos lares que têm gatos, 55% são famílias com filhos, 25% de casais sem filhos e 17% de lares de pessoas que moram sozinhas.

— Existe uma tendência de casas com filhos terem mais pets e existe também a tendência de não ter um único pet, ter mais de um. Muitas vezes o pet é o amiguinho do filho, até por conta de uma tendência de filho único — conclui a veterinária Andrea Castro, Diretora da Comac.

Se inscreva em nosso canal do youtube.com/@tvnativoos, curta nossa página no facebookinstagram e veja nossa programação ao vivo pelo canal 6 da Claro Net ou pelo portal tvnativoos.com.br

Fonte: Gaucha ZH